Meu Caminho Aikidoka

Total de visualizações de página

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Meu Caminho Aikidoka - O 2º Kyu


Era Dezembro de 2018. Eu demorei pra contar esta história porque ainda é desconfortável pra mim. É claro que mais de um ano depois, houveram algumas reflexões e procurei evoluir na minha falha. Como vocês vão poder atestar no próximo texto, ainda não foi o suficiente.
Durante os últimos 6 meses do ano de 2018 eu deveria estar me preparando para meu exame de graduação ao 2º Kyu (Faixa Azul). Mas eu não estava. Eu estava cansada de treinar. Eu estava cansada de ir ao Dojo, aquecimento, treino físico, técnica. Meu corpo se sentia cansado, minha mente mais ainda. Eu havia começado em um novo emprego à 50km da minha casa. Me rendendo intermináveis 60 minutos por uma estrada sinuosa e perigosa todos os dias para ir e voltar do trabalho. Na época eu tinha carona com uma colega de trabalho, o que facilitava um pouco as coisas. Ter alguém pra conversar, mesmo que eu não seja o tipo que conversa muito pela manhã. Eu não associei o meu cansaço à nova rotina de trabalho. Na minha cabeça era do treino que eu estava farta. Então ia pouco aos treinos, sem me dedicar o suficiente.
Ainda assim, meu Sensei me convidou para fazer o exame de graduação no final daquele ano. Talvez ele entendesse que isso me daria algum ânimo, ou talvez para ele eu só estivesse pronta. Eu nunca me senti pronta na verdade. Mas neste exame em particular, eu me sentia mais segura, mesmo sem ter treinado com tanto afinco. Sempre pensei que fosse capaz. Vejam que naquele mesmo ano eu havia realizado o meu exame anterior para o 3º Kyu (Faixa Verde) e foi, de longe, o meu melhor exame segundo meu ponto de vista, já falei sobre ele aqui. A conquista da minha faixa verde foi motivo de muito orgulho para mim. Eu sentia que essa era, de fato, a minha graduação. Estava feliz com ela, com a forma como tudo aconteceu e não via razão para ser diferente agora.
Acontece que a minha circunstância era diferente. Eu estava desanimada com os treinos. Havia iniciado em um novo emprego. Estava cansada física e emocionalmente. Não estava treinando o suficiente. Apesar de tudo a minha confiança estava alta então, o que poderia dar errado?
O dia do exame chegou e com ele aquele nervosismo corriqueiro de sempre. O frio na barriga, o coração acelerado. Muitos amigos estavam presentes para prestigiar e também para realizarem as suas próprias provas. Era um dia quente e a intensidade do exame nos chamaria à uma prova de força e resistência.
Quem treina e me acompanha sabe que nos dias de exame, todos os praticantes se ajudam mutuamente durante as avaliações como Uke (aquele que recebe a técnica). Pela manhã eu já havia participado do treino infantil, auxiliando o Sensei com as crianças e nas suas respectivas provas. Eu me sentia bem, confiante e alegre.
Meu exame foi realizado à tarde, como de costume. Teve seu início frenético e na segunda técnica já me faltava ar. O corpo já dava sinais de fadiga e eu não conseguia respirar decentemente. Com isso fui ficando mais cansada a cada movimento. Quando percebi o que estava acontecendo tentei me acalmar e me recompor, mas nesta hora a minha visão já estava meio turva e eu tinha falta de ar. Aproveitei um momento de folga ao finalizar uma das rodadas de técnicas e concentrei meu foco em controlar a minha respiração de forma que o oxigênio chegasse devidamente aos meus pulmões e consequentemente à minha corrente sanguínea. Eu sabia que se não agisse rápido eu, provavelmente, desfaleceria no meio do tatame e meus esforços não teriam valido de nada.
Com tudo isso acontecendo eu fiquei nervosa, o nervosismo atrapalhava a minha respiração, meu corpo não conseguia fazer os movimentos corretamente. Meu nível de confiança caía a cada minuto e junto com ele a minha visão antes clara se escurecia cada vez que eu levantava para uma nova rodada de movimentos. Eu não queria parar. Fiquei meio orgulhosa nessa hora, confesso. Não queria demonstrar a minha fraqueza e tornar evidente a minha falta de treino. Eu queria demonstrar que eu era capaz de realizar um bom exame. Eu queria merecer aquela graduação e fazer jus ao convite do Sensei. Mas eu não esperava por isso. Não esperava que meu físico estivesse tão mal preparado. Isso impactou diretamente na minha postura durante as técnicas e a minha execução dos movimentos. Eu simplesmente não conseguia me concentrar nisso. Meu foco se voltou completamente em respirar e não desmaiar. Eu precisava ir até o fim. Precisava conseguir passar por isso. Concluí a demonstração das técnicas já exausta. Chegara o momento de receber os Jiu Wasa (aplicação de técnicas livres), onde o examinado deve demonstrar a sua capacidade de receber os movimentos com harmonia e destreza. Dois conceitos que eram simplesmente impossíveis para mim no momento. Eu ainda estava com muito medo de desvaecer e me faltava ar. Eu não conseguia respirar e a única coisa que eu conseguia pensar cada vez que era levada ao chão era: 'Respira e levanta! Você precisa levantar! Continua! Você está quase no fim! Não desista!'. Não sei como, mas eu levantava, atacava, recebia outro golpe, ia ao chão e repetia tudo dentro da minha cabeça. Lembro do pensamento de "Eu não consigo mais!' ter passado pela minha cabeça diversas vezes. A ideia de desistir estava presente em todo momento. Mas a minha teimosia acho que era mais forte, pois eu pensava 'Vou fazer só mais um e pra mim deu! Só mais um!', esse pensamento uma vez após a outra. De novo e de novo. Eu fui até o fim.
Quando acabou, os sentimentos de dever cumprido e decepção eram mesclados. Conforme eu recuperava o ar em meus pulmões enquanto a banca avaliadora deliberava sobre a minha avaliação eu só conseguia estar decepcionada com a minha performance. Decepcionada por ter sido tão descomprometida com meus treinos. Tive vergonha por estar tão confiante e entregar um exame tão mal executado fisicamente. Após algumas considerações sobre os meus movimentos, a banca por fim, decidiu me aprovar.
Algumas pessoas costumam dizer que sou muito crítica comigo mesma. Apesar de todo esse sentimento de insatisfação ainda recebi alguns elogios que, claramente, para mim não faziam sentido algum. No meu interior eu sabia que tinha capacidade e potencial para entregar mais. Se eu tivesse me dedicado mais, se eu tivesse me preparado, se eu tivesse levado os treinos mais a sério, se eu estivesse mais animada, se eu não tivesse aceitado o convite do Sensei, se... se... se...
O monstro do 'e se...' me persegue desde muito tempo. Hoje olho para trás e vejo que entreguei mais do que eu podia afinal, o 'e se..' não existe. Eu dei tudo de mim com o que eu tinha no momento. Todas as falhas, medos e acertos eram reais. Era a minha verdade naquele dia e não há nada de errado com ela.
A lição foi aprendida. A confiança não foi exatamente o meu calcanhar de aquiles nesta situação e sim, a minha prepotência em achar que eu não precisava treinar para entregar um bom exame. A soberba em pensar que eu tinha tudo, não precisava de mais nada. Eu fui arrogante. Essa é a minha verdade. Fui levada pelo sentimento de vaidade e deixei ela me dominar. A decepção com meu exame me trouxe de volta à realidade. Me pôs de volta ao lugar ao qual pertenço de reles aprendiz errante e inexperiente.
Um ano após esta experiência procuro estar alerta aos pensamentos e sentimentos que rodeiam a minha mente e meu coração. Ao menor sinal de que a arrogância esteja tentando sobressair à minha humildade, procuro algo que me tire da zona de conforto e me ponha de volta na minha realidade. Digo que é fácil e hoje já estou livre destes sentimentos? Não. Eles ainda fazem parte do meu dia a dia. Ainda habitam o meu coração e eu ainda erro. A diferença é que estou mais consciente de que eles habitam em mim e, com isso, me permito sair da posição de Go no Sen* podendo explorar um pouco mais do conceito de Sen Sen no Sen* e me antecipar, agindo antes que eles me dominem e vejo isso como algo positivo. Estou aprendendo com isso, sou apenas uma iniciante que sente vontade de desistir muitas vezes e luta contra isso pois acredita que o futuro pode trazer algum alívio ou benefício. Será que algum dia vou ter o sentimento de 'ter chegado lá'? Não sei. Na dúvida eu só continuo.

Ganbatte Kudasai!

*"Sen significa 'antecipar', 'vir antes'. O antônimo de Sen é Go, podem ser interpretados como a 'iniciativa' e a 'resposta'. Sen no Sen significa tomando a iniciativa, enquanto Go no Sen significa ficando atrás. Iniciativa é algo relacionado com se estar de prontidão." do livro Aikido - O caminho da Sabedoria - A Teoria por Wagner J. Bull
Desta forma, entendo que o conceito de Sen Sen no Sen, seria o de se adiantar antes mesmo que o inimigo tome a sua iniciativa.

"O progresso virá com a prática constante. Não procure por ensinamentos secretos que não levarão a nada. Confie nas experiências próprias." - Ueshiba, Morihei - Fundador do Aikido

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente sua opinião! É muito importante para mim!