Meu Caminho Aikidoka

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sábado, 28 de março de 2020

Meu Caminho Aikidoka - O Sonho Despedaçado


Todos atravessamos momentos difíceis durante nosso percurso nesta vida. Alguns mais difíceis que outros. Cada um de nós enfrenta os momentos de tensão de acordo com nossos valores, desejos e medos.
Desde que descobri no Aikido o meu caminho de vida, descobri dentro de mim um medo colossal que jamais havia compreendido antes mas que, hoje, vejo de forma clara. Acho que antes, talvez, eu não tenha me dado conta do peso da chamada ação x reação. Eu sempre encarei esta máxima como fruto das nossas escolhas. De algo que seja consciente e premeditado. Se eu tomo uma decisão, esta trará consigo a sua consequência, a sua reação. E eu sempre julguei, imaginando, oras, se eu não tomar decisões equivocadas, não há o que temer. Eis que a vida, em sua maneira divina de nos ensinar, me mostra que, mais uma vez, não, eu não estava certa.

O episódio que eu quero narrar hoje, aconteceu há muito tempo. Demorou um pouco, é claro, para que eu pudesse refletir com maior clareza sobre o que este episódio estava tentando me ensinar.
Eu já treinava há um ano na época e estava muito empolgada com muitas coisas. Minha vida estava no início de um ciclo de muito aprendizado. Eu sentia tudo começando a se encaixar, pouco a pouco e isso me inspirava cada dia mais.
No nosso Dojo era quase que uma tradição a excursão anual para a Sede do nosso Instituto em São Paulo para que todos os Deshis (alunos) tivessem a oportunidade de treinar com nosso mestre.
A viagem era sempre de van, ou ônibus, organizada pelo meu Sensei, iam Deshis de Jaraguá do Sul e Joinville de Santa Catarina e rendiam histórias que eram contadas o ano inteiro, sempre acompanhadas de muitas risadas, além de muito aprendizado envolvido. Quando comecei nos treinos, passei o ano inteiro ouvindo as histórias espetaculares contadas pelos meus Sempai (aluno veterano). A vontade de ir na tal excursão crescia a cada dia.
No final daquele mesmo ano a organização da viagem começou e eu logo me prontifiquei a participar. A viagem acontecia no mesmo final de semana do Encontro Nacional do nosso Instituto, que tem Dojos no Brasil inteiro e, hoje, também um nos Estados Unidos. O Encontro Nacional ocorre uma vez por ano e traz gente de todo canto! É uma maravilha! Ter a oportunidade de treinar com tanta gente diferente, com tantas experiências novas. Ah, eu estava muito empolgada! Contava os dias, as horas e os minutos pra chegar o dia! A minha esposa havia começado a treinar também e estávamos ansiosas para viajar junto com o pessoal do Dojo.
A data chegou e embarcamos logo cedo no ônibus. Seguimos viagem à São Paulo. Pouco mais de 9 horas até a Sede do nosso Instituto.
No caminho, muitas histórias, muitas risadas, muitos fuscas! (Uma brincadeira interna que aprendemos com uma amiga! hahahah). Ao chegarmos, minha expectativa era de haver um treino, como haviam mencionado, mas este foi cancelado para que o pessoal "descansasse". Eu não concordava, já que viajei mais de 600 Km para treinar... não para descansar. Eu não entendia essa mania que o pessoal tem de fugir do treino, mas enfim... Passamos o restante da noite ociosos. No dia seguinte haveria o Encontro Nacional e treinaríamos o dia inteiro!
Na manhã seguinte acordamos cedo para que pudéssemos tomar um bom café da manhã antes de nos dirigirmos ao local do evento. O segredo era sempre observar o Sensei. Se ele já houvesse terminado o seu café, então você também terminava. Ninguém queria deixar o Sensei esperando. É meio confuso no começo mas, com o tempo e muita observação, você já antevê o que vem a seguir e as coisas fluem melhor. De qualquer forma, não deixe seu Sensei esperando, nunca. Esteja sempre pronto para seguir. Você deve esperá-lo, não ao contrário. Isto demonstra respeito e humildade para com os ensinamentos que você recebe e pelo trabalho do Sensei. Além de fazer parte do Budo.
Ao chegarmos no local do evento eu já estava maravilhada com tudo. Empolgação não faltava. Fomos honrosamente recepcionados pelo nosso Mestre Maruyama Shihan. Ele fez questão de ficar do lado de fora e cumprimentar a todos na chegada! Este gesto me fez pensar um pouco sobre humildade e gratidão. Eu sempre ficava reflexiva sobre o que faz uma pessoa ter seguidores (não esses seguidores numéricos na internet, seguidores e discípulos da vida real, sabe?), no motivo que faz uma pessoa seguir a outra. Quando parei para pensar um pouco sobre isso, percebi que a admiração que muitas vezes sentimos pelas pessoas, quase nem sempre é diretamente relacionada às coisas que essa pessoa conquistou, fez ou realizou, mas sobre como ela fez você se sentir enquanto vocês estavam juntos. O fato de a pessoa ser fiel aos seus próprios princípios, agir pelo que prega, seguir os próprios ensinamentos e discursos. Nosso mestre sempre nos prega sobre respeito, humildade e gratidão. Seu gesto naquele dia nos demonstrou cada um destes ensinamentos, de uma só vez.
Os treinamentos logo iniciaram pela manhã e a dinâmica parecia bem interessante. O enorme tatame fora dividido em 4 partes iguais, onde os 4 Sensei mais graduados do nosso Instituto ministrariam detalhes técnicos com base nas suas maiores habilidades. Nós fomos separados de acordo com as nossas graduações e treinaríamos meia hora com cada Sensei, com um pequeno intervalo de 5 minutos entre um e outro para que pudéssemos nos hidratar.
O treino teve início e, para o meu grupo, o primeiro quarto do treino já foi bem intenso e passou muito rápido. Era tanta informação para assimilar que mal vimos o relógio andar. Nesses encontros a gente só quer absorver o máximo que a gente consegue. Logo na sequência, para o segundo quarto dos treinos, meu grupo treinaria com a Sensei Teandra. Para mim, era o treino do dia. Como mulher, praticante de Aikido, era uma inspiração poder participar de um treino ministrado por uma mulher. Observar sua visão da técnica e da arte. Dentro do Aikido não temos separação entre homens e mulheres nos treinos. As técnicas são para todos. Isso é o que mais me admira nesta arte. Independente de você ser homem ou mulher, a sua visão vai ser diferente. É diferente para cada um. E isso me fascina.
O treino da Sensei Teandra começou intenso. Fizemos alguns movimentos, para mim era tudo novo, eu era recém graduada na faixa Roxa (4º Kyu). Alguns minutos se passaram e então veio a dor. Forte. Avassaladora. Havia torcido meu pé e meu parceiro de treino terminou por pisar por cima, intensificando ainda mais a lesão. Eu caí. As lágrimas rolaram. Sensei Teandra me pegou no colo e me carregou para fora do tatame. Me lembro de ela me dizer que tudo ia ficar bem. Um dos enfermeiros que estavam atendendo ao evento veio até mim para examinar. Ele passou pomada, massageou e enfaixou. Ele me disse que eu não deveria pisar pelas próximas horas, suspender os treinos naquele final de semana e procurar meu ortopedista ao voltar para casa. Aquilo fez meu mundo cair. A dor no pé já havia passado e estava longe da dor que eu sentia em meu peito. Do fundo do coração, e preferia a dor do pé torcido por mais mil vezes do que a dor que tomou meu peito ao ouvir que não poderia mais participar dos treinos do final de semana. As lágrimas rolaram por um longo período, lá da arquibancada, assistindo aos treinos que continuavam acontecendo. Eu não conseguia aceitar. A decepção. A injustiça do universo. A dor.
Foi a primeira vez que senti dor e medo ao vislumbre da leve ameaça de que algo tão especial e importante poderia ser tirado de mim, assim, tão rapidamente, de um segundo para o outro.
Para mim, o final de semana estava acabado.
Neste emaranhado de sentimentos e pensamentos nosso mestre, Maruyama Sensei veio ter comigo. Ele se sentou ao meu lado e perguntou como eu estava. Eu não sabia responder àquela pergunta, então só disse que estava bem. Que ia ficar bem. Ele me perguntou sobre a lesão, se eu havia sido atendida e se haviam me tratado bem (os enfermeiros). De fato, eu havia sido muito bem tratada. Recebi a atenção necessária. Então respondi que sim, que havia recebido orientações para não treinar mais aquele dia. Maruyama Sensei, com muita calma me disse que era bom que eu me recuperasse totalmente antes de voltar aos treinos. Era importante que o corpo estivesse bem para que os treinos fossem bem aproveitados. Lembro de concordar e tentar parecer calma e no controle dos meus sentimentos, quando meu interior era puro desespero. Mas eu não queria parecer fraca na frente do nosso mestre. Logo ele mudou de assunto e me perguntou o que eu estava achando da divisão no tatame, por graduações com a oportunidade de explanar diversas visões da técnica de acordo com nossos conhecimentos. Eu, de fato havia gostado muito da forma como eles haviam pensado na organização do evento e disse isso ao Shihan da melhor forma que consegui manifestar no auge da minha frustração por estar fadada à assistir de longe tudo aquilo que esperei por tanto tempo para fazer parte.
Assim que a segunda meia hora de treinos teve fim e os cinco minutos de intervalo iniciaram me vi rodeada de pessoas. Meus amigos mais queridos vieram todos para ver como eu estava. Eu estava triste e desanimada. Eles fizeram de tudo para levantar meu ânimo.
Durante todo o final de semana que se seguiu fui acompanhada, cuidada e amada. Senti em cada uma das pessoas que me acompanhou a empatia e solidariedade pelo momento que eu estava vivendo.
Meu Sensei dispôs de muito tempo se certificando de que eu superaria aquele momento e seguiria em frente.

Naquele tempo eu tinha menos entendimento, não consegui não ficar completamente devastada com o ocorrido. Poucos foram os momentos em que senti gratidão por todos os que dispuseram de seu tempo para cuidar de mim e constantemente me vi esbravejando contra o Universo. Não conseguia ver uma coisa boa sequer. Nem o fato de que a minha recuperação seria, muito provavelmente, rápida era o suficiente para acalmar a minha ira.
Voltamos para casa e eu estava em frangalhos. Tentei rir com o pessoal durante a viagem, mas era difícil e eu me entregava à tristeza rapidamente.
Conforme a recomendação do enfermeiro e do meu Sensei, busquei auxílio médico ao chegar em casa. O diagnóstico era promissor. Não havia rompimento do ligamento do tornozelo, apenas uma leve lesão no mesmo. A qual cicatrizaria rapidamente. Me renderia apenas 4 semanas afastada do tatame fazendo o tratamento com anti-inflamatórios.
Hoje vejo como 4 semanas passam rápido, mas na época, para mim era o fim. Como se eu não fosse sobreviver. Me afastei de cima do tatame, mas não do Dojo. Eu ia ao Dojo assistir os treinos com frequência durante o mês que não pude treinar. Vez ou outra meu Sensei até me mostrou uma e outra torção em que eles estavam trabalhando naquela semana. Era ótimo, mas eu não via a hora de poder subir naquela lona novamente e participar ativamente dos treinos.
Durante o tempo em que treinei 'do banco' no entanto, tive a oportunidade de observar diversos aspectos das técnicas que não haviam me ocorrido até então e, talvez, nem chegassem a ser observados por mim não fosse pela situação. A perspectiva era diferente e me vi enxergando as técnicas com um novo olhar. É como se elas fossem todas novas de novo. Isso sem contar a experiência de poder observar o Sensei ao dar os treinos. Observar a sua didática e postura, atitudes frente às situações e dúvidas dos alunos. Por diversas vezes me vi questionando o que eu faria se estivesse no lugar dele. Lembro de ter conversado com ele a respeito de uma ou outra situação que acabei vendo de fora do tatame e isso me rendeu explicações e observações que talvez eu jamais chegasse a ter se tudo tivesse ocorrido diferente.
Descobrir o que aquele momento tentou me ensinar é algo difícil de mensurar. O que posso afirmar é o quanto de fato consegui vislumbrar por conta do que aconteceu. Sim, foi triste e meu sentimento de perda foi real. Mas hoje consigo ver com maior tranquilidade que a circunstância me trouxe muitas reflexões, aprendizados e observações, além de ter estreitado meus laços com meu Sensei e com alguns amigos mais próximos. Eu não teria passado por esse momento sem o auxílio de cada um deles.

O que me traz a certeza de que aprendi uma lição é poder me imaginar em uma situação parecida e não entrar em pânico, como ocorreu naquela vez. É sentir no meu coração que os momentos difíceis e de tristeza vão chegar. Mas com eles vem muitos aprendizados, se eu me permitir viver cada momento sabendo que tudo passa. Devo procurar levar o melhor de cada uma destas oportunidades como um crescimento pessoal, pois hoje vejo o Aikido como uma prática constante que não depende de eu estar no Dojo para treinar. O treinamento é diário e constante. Treinar a mente também é treinar Aikido.

"Se o coração é impuro, estarás cheio de tensão interior, de orgulho, de desordem, de confusão, de mil enfermidades físicas, mentais e emocionais. Jamais poderás compreender o Aiki se seu coração não se purifica. Deves, pois, limpa-lo para ter paz consigo e com o mundo, não sendo inimigo de nada e não vendo nada como seu inimigo." - Ueshiba, Morihei - Fundador do Aikido

sexta-feira, 27 de março de 2020

Meu Caminho Aikidoka - E a Pandemia


Tem sido diferente esses dias.
Em dezembro de 2019, mais precisamente no dia 31 de dezembro, sim, ano novo, a China anunciou o surgimento de um novo vírus que estava  se espalhando rapidamente. Em Fevereiro de 2020 já havia sido considerada uma pandemia.
Ao longo dos meus 31 anos, nunca havia visto algo parecido. Nasci em uma época privilegiada. Não vivi as guerras nem a ditadura. Era muito nova quando as bolsas quebraram e outros golpes do governo foram aplicados, fazendo milhares de pessoas sofrerem. Eram coisas que eu só lia nos livros de história e, sinceramente, eu nunca entendi muito mesmo.
Vivenciar esta experiência tem me trazido muitas reflexões acerca dos sentimentos e necessidades  do ser humano. Há uma semana iniciei meu isolamento, determinado pelo governo do meu estado. No lugar que eu trabalho muitos foram dispensados do deslocamento até a empresa, podendo fazer o trabalho remotamente de casa, enquanto a outros foram concedidas férias. Mesmo com esta facilidade, toda uma nova rotina está sendo criada. Desde criar um espaço dentro de casa onde se possa trabalhar com conforto, até gerenciar a autodisciplina para não acabar se perdendo nos afazeres domésticos, deixando o trabalho de lado. Tem sido um desafio.
Além disso, lidar com o fato de ficar sozinha, dependendo apenas de mim mesma, sem poder trocar ideias e energias com outros seres humanos tem sido particularmente difícil para mim. É até estranho pensar sobre isso pois, sempre me considerei meio antissocial. Me ver nesta posição é algo novo e bem desconfortável.
Os treinos de Aikido, assim como todas as demais atividades e comércios ditos 'não essenciais' precisaram ser paralisados. Nos proibiram até de reuniões particulares com os amigos. Neste ponto eu me pergunto até onde a saúde mental não é indispensável para a sobrevivência humana. Porque ela não é uma prioridade? Obviamente vejo e entendo todas as razões para o isolamento social. Estamos lidando com uma doença séria e que dever ser tratada com seriedade e responsabilidade. Nesta questão existe ainda um outro ponto que deve ser mencionado. Todos estamos vivendo o mesmo momento no planeta, o pânico está instaurado em nossa sociedade, pobre de discernimento, as fake news tomam conta dos nossos cérebros nos levando a um ciclo vicioso de medo e incerteza. Quando todos estão falando sobre o mesmo assunto, disseminando informações a todo momento, enchendo as nossas cabeças com notícias absurdas e tristes fica difícil manter a própria sanidade e sair desta linha de pensamento sem o apoio emocional que o contato humano nos proporciona se torna uma missão quase que impossível. Confesso que não sou o tipo de pessoa que acompanha os noticiários, não assino páginas de notícias nem procuro me informar sobre as ditas 'realidades' do mundo nem em um âmbito regional, pois fico impressionada facilmente e considero a minha saúde mental algo particularmente importante. O que vemos nos jornais e noticiários são, em sua massiva maioria, tragédias, violências e tristezas, porém, desta vez, fui levada a buscar informações concretas, estudar e ler a fim de fugir das notícias falsas e desconexas. Desenvolvi mais meu pensamento crítico, conheci cientistas que me explicaram sobre como os dados e estudos científicos funcionam. Fiquei triste e revoltada quando vi meus familiares e amigos sofrerem em pânico por informações falsas e dados incompletos disseminados pela mídia e por pessoas irresponsáveis, passando para frente coisas que sequer eram verdadeiras, como se toda a situação já não fosse, por si só,  triste demais, pesada demais, difícil demais. Me tornei a chata da pesquisa nos grupos da família e dos amigos. Tentei explicar sobre a responsabilidade individual de disseminação de informações. Percebi o quão importante é a pesquisa, o conhecimento e o discernimento. Vi o quanto, mesmo na era digital, onde uma enorme parcela da nossa sociedade tem acesso à informação, as pessoas carecem de pensamento crítico. Como já não somos mais ensinados a pensar, é tão mais fácil só acreditar em uma 'notícia' falsa que aquele famoso que sou fã está dizendo do que correr atrás das fontes e analisar os fatos. 
É complexo pensar que esta mesma era digital, que frequentemente tem nos levado a desinformação e ao desespero, é parte do mesmo sistema que nos conecta ao restante do mundo como seres humanos sociais neste momento de dificuldade. Dosar o quanto de cada um destes aspectos está nos fazendo bem ou mal neste período de isolamento é tão complicado quanto a própria situação.

Há alguns dias conversei com um amigo muito próximo, através de uma rede social, a respeito desta questão do isolamento. Comentei com ele como tenho me sentido com tudo isso e expliquei os meus pontos de vista sobre a relação do ser humano com os meios de comunicação atuais. Não é como se estivéssemos proibidos de falar uns com os outros. A comunicação em si continua acontecendo normalmente. Inclusive, meu contato com este amigo é muito mais próximo através dos meios de comunicação virtual do que pessoalmente. Apesar de nos vermos praticamente todos os dias antes do isolamento, são nas conversas on-line que discursamos acerca da intensa gama de pensamentos, teorias, experimentos e opiniões dos assuntos que mais nos fascinam na vida. Fomos levados à isso pelo fato da nossa família não suportar mais nos escutar discursando por horas sem fim sobre estes assuntos que, segundo eles, apenas nós dois entendemos e nos interessamos. Então, pessoalmente falamos muito mais sobre outras coisas, junto com nossas famílias. De fato, sinto que seríamos capazes de virar dias inteiros falando sem parar, caso nossos familiares não se opusessem (hahahaha). Mas o ponto que quero chegar é, se o ser humano é um ser social e a era digital nos permite permanecer sociais mesmo que de dentro das nossas próprias casas então, de onde vem esta dificuldade que estou sentindo em passar por este período de isolamento? Ao conversar com meu amigo sobre isso ele teve a espetacular ideia de fazer uma chamada de vídeo em grupo com os nossos amigos mais próximos para jogarmos conversa fora. A ideia é sensacional de fato, mas mesmo assim eu parecia relutante e incrédula de que isso fosse funcionar. Insatisfeita com o resultado que poderia trazer. Ao me questionar por um momento sobre esse meu posicionamento cheguei a um pensamento que acredito ser a explicação sobre o 'ser social' do ser humano. Veja que, quando fora do isolamento social, as pessoas são cheias de afazeres, obrigações, compromissos. Isso, mesmo que de forma subjetiva e inconsciente, lhes coloca em contato com outras pessoas que, por suas vezes também estão envoltas em seus afazeres, obrigações e compromissos, tendo contato com outras pessoas e assim sucessivamente. Se pensarmos em um resumo grosseiro, esta é a nossa sociedade. Um monte de gente cheio de afazeres, obrigações e compromissos. Acreditamos que esse agito é o que nos configura os seres sociáveis que tanto tenho falado. Mas vamos nos aprofundar um pouquinho nesta ótica. É certo que neste momento a maioria, senão todos, os compromissos foram adiados, mas grande parte dos afazeres e obrigações continua. Se nos esforçarmos, facilmente preenchemos o nosso 'tempo vago' com outras diversas atividades. Sabe aquelas que sempre quisemos fazer e não tínhamos 'tempo'? Fora da nossa zona de conforto? Com certeza. Mas ocuparíamos sim, uma grande quantidade de horas do nosso dia. Conversaríamos com nossos amigos normalmente afinal, as redes sociais estão aí para esta proximidade, não é? Qual portanto o ponto desta aflição generalizada?
Com esta reflexão em mente e, sabendo que o social nos é essencial como seres humanos, trago o seguinte questionamento: Será possível, aleatoriamente como em uma roleta russa, escolher um contato qualquer no seu celular, realizar uma chamada de vídeo e ter uma descontraída conversa acerca de uma futilidade trivial sendo isso prazeroso? Digo que fiz o teste da aleatoriedade no meu próprio celular e, apenas após a vigésima quinta tentativa me surgiu um nome ao qual eu estaria confortável em realizar a ligação. Isso significa que não gosto dos outros mais de vinte e cinco contatos que me surgiram anteriormente? Muito pelo contrário. Temos afinidades, fazemos atividades juntos, muitos deles são ou foram meus colegas de Aikido e sinto que temos algo importante em comum, mesmo assim, seria apenas bem esquisito simplesmente pegar o telefone e fazer uma simples ligação sem um objetivo bem claro e específico e achar isso confortável e prazeroso.
O que me faz pensar em uma outra perspectiva deste mesmo experimento. Vamos rodar a roleta russa dos contatos do celular novamente. Quantas tentativas até que você aceitasse ir a um lugar que você gosta (supondo que você, leitor, é um praticante de Aikido assim como eu - visto que é o foco principal das minhas postagens - imagine que este lugar seja um seminário de Aikido) sabendo que a única pessoa que você conhece neste lugar é esse contato sorteado. Vou dizer que, para mim as tentativas se reduziram a duas.
Portanto, o auge da minha nada científica reflexão, me leva a crer que, no fim disso tudo, é o contato físico que nos torna os tais seres sociais. A troca de energias, o olhar nos olhos, ver as micro-expressões nos rostos das pessoas, sentir a entonação, a vibração do som quando elas falam, a energia dos sorrisos ao redor, os sons das crianças correndo livremente atormentando seus pais e tudo o que vem junto com essa mistura de sensações, o choro e o riso.
Eu percebi, com a conversa com o meu amigo e com os experimentos que fiz sozinha comigo mesma, que o sentimento de socializar é diferente numa chamada de vídeo em grupo com os amigos simplesmente porque não é presencial. Na rede social é como se estivéssemos em uma reunião, com pauta de discussão e tudo. Sabe quando você está com os seus amigos em algum rolê e, de repente, todos ficam quietos, mas continua sendo um ótimo rolê só por vocês estarem juntos? Não é bem assim na chamada de vídeo com seus amigos durante o isolamento, pode até acontecer mas é estranho e desconfortável. E não porque o silêncio é ruim. As vezes é exatamente disso que precisamos, silêncio na presença dos amigos. Só estamos ali, um ao lado do outro, ninguém diz nada e o momento está completo por si só. O que quero dizer é, a pressão por manter um assunto rolando já não torna as coisas naturais e pode gerar ansiedade, muitas vezes a troca de energia com outras pessoas é tudo o que precisamos. Não há rede social no mundo capaz de nos proporcionar isso hoje. Talvez algum dia haja, hoje não. Hoje devemos valorizar cada momento ao lado dos nossos amigos, família, colegas, cada oportunidade de sair de casa para trabalhar, estudar, treinar, passear. É tudo o que temos. Essa troca de energias é tudo o que temos. Por mais que os donos das redes sociais tentem nos convencer de que podem nos proporcionar mais contato, mais amigos, mais prazeres, mais liberdade e nos levar a mais lugares, eles jamais vão suprir a nossa necessidade básica de troca de energias como seres humanos.

Tenho visto ao redor do planeta diversos grupos de Aikido e de diversas outras áreas e artes marciais criando vídeos, lives, ensinando formas de treino e outras atividades em casa, abrindo espaços de conversa e discussão sobre os mais variados temas, para nos tirar um pouco da paranoia da doença. É ruim falar sobre o assunto? Jamais. É saudável e necessário. Mas a nossa vida e a nossa saúde não giram em torno disto. É preciso discernimento e, por isso vejo com tanta positividade tudo o que está sendo feito por estas pessoas incríveis que não medem esforços para levar conhecimento, distração, apoio e criar conteúdo de qualidade neste momento tão difícil. Isso, na minha concepção, é Aikido. É perceber seu meio e trabalhar em prol do bem. Estabelecendo harmonia em meio ao caos, esperança em meio ao desespero, luz em meio à escuridão.
É fácil expor uma opinião baseada na sua própria realidade nos grupos de WhatsApp, como se ela fosse a única realidade. Esbravejar palavras ao vento e culpar este ou aquele movimento por tudo. É fácil disseminar o caos, as fake news, o desespero. O que você faz, apesar de tudo isso, para estabelecer um pouco de paz de espírito, de alegria, de equilíbrio no seu meio, na sua casa e na sua comunidade é Aikido. É isso que o Aikido nos proporciona. Momentos de reflexão, de autoconhecimento e um treinamento intensivo que é de dentro para fora todos os dias. Para mim o Aikido nunca foi uma prática de cima do tatame. Sempre se tratou de uma prática interior e diária, incansável e constante. Vejo este momento como uma oportunidade de praticar ainda mais a minha paciência, a minha disciplina, observar meus pensamentos, discorrer minhas reflexões e levar à todos que posso um sentimento de esperança, de apoio e confiança. Vejo a mais exímia oportunidade de SER o Aikido.

E você, querido leitor, qual a sua opinião sobre as reflexões? Para você, o que é mais importante neste momento que estamos vivendo? O que você tem feito em prol do equilíbrio emocional coletivo?

Na certeza de que superaremos em breve este difícil momento, gostaria de encerrar com uma famosa citação do Fundador: "O segredo do Aikido não está no modo como você move os pés, está no modo como você move a sua mente."

Como a sua mente tem se movido e para onde ela tem lhe levado?