Meu Caminho Aikidoka

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sábado, 14 de julho de 2018

Meu Caminho Aikidoka - A Criança e os Medos

Os nossos medos dizem muito sobre nós e a nossa visão do mundo. Quem me conhece sabe que passei por uma fase emocionalmente abalada recentemente, mas sempre fui uma pessoa muito extrovertida e risonha. Em vários momentos fiz disso uma fuga dos meus pesadelos e medos. E eu não tinha consciência alguma disso até pouco tempo atrás.
Muitas vezes não paramos para observar os nossos receios e tentar enxergar o que eles dizem sobre nós. Na maior parte do tempo nem sequer temos conhecimento destes receios, encarando-os, simplesmente, como algo de que "não gostamos" ou que "não faz o nosso tipo".
Há ainda os medos que não entendemos ou não enxergamos, não tendo consciência de que nossas ações são, muitas vezes, baseadas nestes. O medo do julgamento, por exemplo. O medo de não agradar, de não ser aceito no meio social. O medo de não se encaixar, de ter uma opinião diferente, muitas vezes até, medo de ter opinião. É como se você fosse ganhar ou perder alguma coisa pensando desta ou daquela maneira ou acreditando nesta ou naquela teoria. Eu tenho muitos destes medos, os quais, aos poucos, vou ficando mais consciente sobre os efeitos que cada um tem sobre mim. Mas isso é uma conversa para outro dia. Hoje eu queria falar um pouco mais sobre um medo em específico: O meu pavor de crianças.
Eu as detestava. Não as compreendia. Por ser uma pessoa bastante divertida, nunca imaginei que isso fosse um medo, mas sim um gosto meu. E qual seria o problema nisso? Nenhum não é mesmo? Afinal, não somos obrigados a gostar de nada nem ninguém. Tem os que gostam de amarelo e os que preferem marmelo (não sei se é bem isso o ditado), enfim, é tudo uma questão de gosto. Por muito tempo eu vivi nesse mesmo discurso de que não gostava de crianças, elas não gostavam de mim e estava tudo bem assim.
As coisas das quais não gostamos, porém, sempre trazem um motivo. Esse motivo varia das mais diversas formas. Antes de falarmos sobre isso, entretanto, vamos pensar um pouco sobre o que significa o gostar. Por que gostamos de certas coisas e não de outras? O que nos leva a apreciar certos gostos, roupas, cores, pessoas, animais e desprezar outros? A verdade é que o gostar também traz o seu motivo e é algo bem subjetivo, que trazemos conosco desde a mais tenra idade através das experiências que a vida nos traz. Pensar sobre esses gostos nos obriga a resgatar algumas destas vivências passadas e trazer à tona as sensações vividas naqueles momentos. O que, definitivamente, nem sempre é uma tarefa fácil ou prazerosa. Pra mim foi difícil perceber que, na verdade, era a minha criança que eu tinha medo de encarar. Foi a minha criança que eu deixei para trás como se ela precisasse sair para que eu continuasse. Foi a minha criança que eu fui afogando aqui dentro, para que ela não saísse pelo mundo contando o mal que lhe tinham feito. Eu tinha vergonha daquela criança. Daquele jeito sincero de encarar as coisas. Daquele riso fácil. Eu a julgava ingênua demais para essa vida dura. No fundo eu descobri que eu só não queria dar oportunidade para que a machucassem de novo. Então eu me escondia atrás do meu riso adulto, e da gargalhada séria. Eu fui deixando-a cada vez mais afundada em mim mesma. Até o dia em que me perguntaram: O que essa sua criança interior te fez para você ter tanto medo dela? Eu nunca tinha pensado dessa forma. Eu já tinha ouvido falar na criança interior que tínhamos que manter viva e tal. Mas eu nunca havia parado para olhar para a minha por essa perspectiva.
Você já teve a sensação de olhar dentro dos seus próprios olhos? Eu tive naquele dia. Eu só não gostei muito do que eu vi. Mas a vida, na sua infinita magnificência e generosidade, mais uma vez, trouxe a oportunidade que eu precisava para vencer mais esse desafio. O desafio de reconquistar a minha criança.
No final do ano passado, meu Sensei tinha uma viagem para Salt Lake City nos Estados Unidos juntamente com o nosso Mestre e alguns de seus Deshis mais próximos. Seria uma viagem de dez dias e Sensei não poderia deixar o Dojo sem treinos por todo esse tempo. Com isso organizamos uma equipe que o auxiliaria na sua ausência. Alguns colegas mais graduados se dispuseram a ministrar os treinos dos adultos no nosso Dojo, outros estavam disponíveis em ajudar, comparecendo aos treinos e orientando os mais novos. Na época eu havia recém realizado o meu exame para o 4ºKyu então, havia pouco que eu poderia fazer para ajudar além disso. Me ofereci para fazer o chá que servimos ao final de cada treino para que os colegas não ficassem sem essa cerimônia tão importante e tão recompensadora. Não demorou muito para que eu recebesse mais um convite do Sensei: auxiliar um colega com os treinos das crianças. Eu fiquei apreensiva. Não sabia como encarar. Eu tinha medo. Eu sabia que não daria conta. Meu histórico com crianças não era bom. Elas não gostavam de mim. Seria um desastre. Mas eu tinha que tentar. Eu não poderia deixar o meu Sensei na mão, ou que tipo de Deshi seria eu em negar um auxílio, sem o menos tentar? E tentar era o mínimo que eu poderia fazer diante de um convite que demandava tanta confiança. Meu Sensei em sua sabedoria, para que tudo isso não se tornasse um grande trauma para mim e, principalmente, para as crianças, me levou, por quase um mês, todas as semanas para auxilia-lo nos treinos infantis. Assim eu poderia conhece-las e ficar mais à vontade com elas e elas comigo. Era uma turma de 4 crianças entre 9 e 11 anos. Lembro que na primeira vez eu nem pisei no tatame. Tamanho era meu medo. Na segunda vez, novamente o Sensei perguntou se eu queria entrar, uma das crianças ouviu e disse que eu deveria. Eu aceitei o convite. Muito tímida e insegura. Eu tinha a sensação de estar sendo julgada, de que cada um dos meus movimentos estava sendo milimetricamente calculado para que pudessem ser discutidos mais tarde na seita secreta infantil que eles formaram unicamente para ter certeza de que fariam minha alma pagar pela minha existência na ausência do Sensei e depois poderem rir ao redor da fogueira tomando suco de uva se deleitando sobre a minha desgraça. Veja como é a mente do ser humano. Eu tinha medo de parecer ridícula e infantil. Então eu ri pouco, mas eu também não queria ser a velha chata, então eu sorri amarelamente. No caminho de volta para casa o Sensei perguntou o que eu tinha achado. Ele deve ter visto o desespero estampado na minha face, porque ele deu risada. Eu só conseguia pensar na dimensão do desastre que estava se formando. O Sensei falou que eu precisava me soltar mais. Brincar e ser uma delas para que elas pudessem me ver como uma igual. Eu decidi que, sim, eu podia. Aos poucos eu fui tentando fazer isso. Fui observando e me libertando dos meus preconceitos. Aos poucos eu fui me permitindo rir das minhas falhas, das brincadeiras, das crianças. Fui me deixando levar. Fui me deixando gostar. Aos poucos o medo foi se transformando em curiosidade e a insegurança em risada. De pouco em pouco eu fui olhando de novo naqueles olhos que haviam me encarado um tempo atrás. Alegria minha ao perceber que, desta vez, um brilho reluzia iluminando todo um novo caminho pela frente. E então meu coração teve paz. A minha criança estava de volta e, agora, era para ficar.
Meu Sensei foi e voltou de viagem e, até hoje, eu não consigo deixar de participar dos treinos das crianças. Para o Sensei eu dou a desculpa de que estou indo ajudar, ele diz que, no final, ele precisava mesmo de uma ajuda. Mas nós dois sabemos que a verdade é outra, não é mesmo?

Solte a criança que há em você. Ela é mais forte do que você imagina. Não é ela quem precisa da sua proteção para este mundo cruel. A verdade é que é você quem precisa da proteção dela.