Meu Caminho Aikidoka

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terça-feira, 25 de junho de 2019

Meu Caminho Aikidoka - Lealdade

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Não, eu não podia esperar.
Tive que colocar para fora todas as emoções do último final de semana e, para isso valeu até quebrar a minha regra de ouro, desde que admiti a minha luta contra a ansiedade, de sempre terminar uma tarefa antes que pudesse iniciar a próxima. Então, abandonei, momentaneamente, o último texto em que venho trabalhando há um tempo mas que, por ainda ser difícil para mim, não consigo encontrar as palavras para concluir. Vamos considerar este aqui como um parêntese. Uma pequena pausa para que eu possa expressar um sentimento novo. Uma descoberta. Uma nova dúvida.
No último final de semana tive a honra de participar de um seminário ministrado pelo nosso Mestre Maruyama Shihan e posso adiantar que foi... diferente.
Primeiras coisas primeiro. Este ano o Instituto Tachibana de Aikido, Instituto ao qual o Dojo onde treino faz parte, completa 25 anos e, juntamente com isso, o próprio Dojo onde treino completa 15 anos. Em decorrência de tamanha importância das datas, transformamos o costumeiro Seminário anual com nosso Mestre em um grande evento, com direito a uma grande festa em comemoração aos 25 anos do Instituto Tachibana e aos 15 anos do Minami no Tani Dojo.
Para mim o seminário com nosso Mestre não era uma novidade. Felizmente, tenho tido a honra de treinar ao lado do Mestre em muitas oportunidades durante estes dois anos e meio desde que iniciei no caminho da paz. Porém havia um fato importante que nos deixou a todos um tanto ansiosos. Já faziam dois anos desde a última visita do Mestre à nossa cidade, além disso, nosso Dojo passou por uma singela reforma no final do ano passado, reforma esta que transformou a energia do nosso ambiente e trouxe junto consigo uma gama gigantesca de novas vivências, novas pessoas, novas amizades. Desde então nosso grupo tem se fortalecido cada dia mais. Mas os maiores detalhes desta parte da história vai precisar ficar para um próximo texto. Hoje vamos falar um pouco mais sobre o treino com Maruyama Shihan.
Como mencionei, dois anos haviam se passado desde que recebemos nosso Mestre no Minami No Tani Dojo pela última vez. Na época eu havia recém iniciado meus treinos e, ainda no 5º kyu, pude participar e aproveitar todos os ensinamentos. Após estes dois anos, e com a aproximação do evento, eu sentia que algo havia mudado. Eu ainda não sabia bem ao certo. Percebi que minha atenção principal já não estava voltada à etiqueta, ao nervosismo de encontrar com o Sensei, em como me comportar ou como falar, mas em fazê-lo sentir bem vindo em nosso Dojo.
Combinamos com todos os participantes de chegarmos com bastante antecedência para que pudéssemos preparar um ambiente acolhedor e motivador ao nosso Mestre. Com certeza da primeira vez alguém pensou nisso, desta vez era eu quem estava pensando. Muitas pessoas novas, e sempre surge a insegurança, como também aconteceu comigo mas, desta vez era eu quem estava dizendo a todos que seria tranquilo, uma experiência única e que não havia o que temer, hahahaha. Quando comecei a me dar conta disso minha cabeça deu um salto. Foi uma inversão de papéis que eu não estava esperando.
O treino com Sensei Maruyama foi sensacional. Não encontro superlativo maior que este para expressar o sentimento.
Acredito que a minha forma de ver o treino foi diferente também. Da primeira vez eu estava focada em repetir os movimentos e, mecanicamente eu me esforcei para atingir o ponto certo, o ângulo exato. Desta vez, meu foco estava um pouco diferente. Me surpreendi ao perceber que, por vezes prestava atenção à forma do Sensei falar e explicar sobre a filosofia, a escolha das palavras, enquanto que, em outros momentos eu observava, sem ouvir uma palavra sequer do que ele dizia, os movimentos do corpo, tentando decifrar onde a energia se concentrava nesta e naquela técnica. São tantas variáveis que é difícil mensurar. Hoje vejo isso com mais clareza. Por diversos momentos me observei admirada pelo conhecimento do Sensei e me perguntava se um dia, será, muito lá na frente, eu chegaria aos pés de tamanha sabedoria? Naquele dia muito mais do que mexer com as nossas cabeças com as técnicas "básicas" (aquelas que, quanto mais repetimos, mais dúvidas temos) ele mexeu com nossos corações, explanando por diversos momentos aqui e ali no treino, sobre os ensinamentos de Ueshiba Sensei, sobre algumas vivências e significados da prática do Aikido. Todas esplendorosamente bem colocadas, com palavras simples e de fácil entendimento, o que me deixava cada vez mais admirada. Eu sempre tive esse dilema: como falar das coisas mais complexas de forma que até mesmo os mais simples possam compreender? Até porque, de que me adianta ser a detentora do conhecimento se não consigo me fazer ouvir, se não consigo ser compreendida. A didática que Maruyama Sensei encontrou para nos guiar durante o treino e durante as suas explanações foram, sem sobra de dúvidas, o ponto alto do treino.
Dentre todas as colocações, houve uma que me chamou especial atenção. Logicamente não conseguirei colocar em palavras aqui, da forma que Sensei colocou, mas gostaria de tentar explicar a reflexão a qual fui levada após a história.
Ele nos contou sobre o Japão no fim da guerra. Onde o Imperador anunciou que faria um pronunciamento. Sensei nos explicou que, no Japão, quando o Imperador fala, todos se levantam para ouvir de cabeça baixa, muito diferente da nossa cultura, que não ouve direito nem o que a mãe fala. Ele nos disse que o filho de Ueshiba Sensei, Kisshomaru Ueshiba, se preparava para ouvir o pronunciamento do Imperador com elevadas expectativas de que o Imperador os fosse conclamar para a frente de batalha mais uma vez, que os japoneses não desistiriam e dariam seu sangue e sua vida para salvar o Japão na guerra. Kisshomaru Ueshiba estava pronto para ir. Maruyama Sensei nos explicou que o povo japonês tem muito orgulho, eles não desistem, são obstinados e honram com seus deverem com a própria vida. O Imperador, entretanto, tinha outro pronunciamento a fazer. O da rendição do Japão. Kisshomaru Ueshiba não pôde acreditar no que acabara de ouvir. Ele foi então, caminhando por longas horas até os portões do palácio do Imperador, onde muitos japoneses já choravam de cabeça baixa. Então ele soube que era verdade, o Japão, pelo qual todos estava dispostos a dar a vida, havia se rendido.
Sensei Maruyama nos explicou, com esta breve história, sobre lealdade.
Eu me pus a pensar sobre isso e ainda estou muito fragilizada. Hoje em dia é bem difícil encontrar pessoas leais.
Lealdade não é como se você fosse o escravo de alguém, ou fosse obrigado a concordar com tudo o que uma pessoa diz ou acredita. Lealdade é você respeitar essa relação acima de tudo, por mais que doa em seu coração e isso te faça chorar.
Lealdade não é como se você elegesse alguém para ser o dono da razão e da verdade. É mais como, mesmo sabendo de todos os erros que alguém possa cometer, ainda assim, você fica, e dá a sua vida por aquilo.
Lealdade é um tipo de amor né?
Pensando sobre isso eu me vejo questionando sobre por onde anda a minha lealdade.
Desde muito nova eu percebo que meus pais tentaram me ensinar isso, mas eu entendi tudo meio errado. Eles não usavam essa palavra, chamavam de respeito e justiça. Eles me diziam que se eu dissesse que iria fazer alguma coisa, eu devia fazer, era uma obrigação que eu havia assumido. E que eu era responsável pelo que dizia. Eles me diziam que eu devia ser obediente com eles, porque eles eram meus pais e filhos respeitavam os pais, ponto. Não havia outra alternativa. Eles tentavam me ensinar o princípio da lealdade desde muito cedo quando, mesmo depois de um erro, eles afirmavam que me amavam, mas que eu tinha que aprender, então eu ia para o castigo, ia pedir desculpas, ia consertar o erro. Eles estavam sendo leais comigo, esperando que eu aprendesse e fizesse o mesmo. Mas eu, péssima aprendiz, discuti, ignorei, quis impor a minha verdade por muitas e muitas vezes. Sem ter entendido o que é respeito ou mesmo lealdade.
Hoje, com 30 anos, já tentando entender um pouco mais a fundo isso tudo, ainda me vejo deslizando entre um erro e outro. Quando discordo do meu Sensei, discuto com ele, o questiono. Tento impor a minha vontade, tento julgar o seu discernimento. Injusto. No mínimo, injusto.
A lealdade era uma incógnita total para mim. Ao dobrar meu Hakama, ou o Hakama do meu Sensei após os treinos, por vez e outra me pegava pensando nisso, mas não encontrava as respostas.
Tenho a resposta hoje? Não. Só sinto que estou mais perto. Com a explicação de Maruyama Sensei sobre um acontecimento com o filho de Ó Sensei, vejo que a lealdade nada tem a ver com concordar ou discordar, acreditar ou desacreditar, é mais uma questão moral que preciso muito aprender. Algumas atitudes que preciso mudar imediatamente já foram identificadas então, acho que já devo estar mais próxima do que antes.

"Masakatsu Agatsu Katsuhayabi"
"A verdadeira vitória é a vitória sobre si mesmo, agora" - Morihei Ueshiba