Meu Caminho Aikidoka

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sábado, 14 de julho de 2018

Meu Caminho Aikidoka - A Criança e os Medos

Os nossos medos dizem muito sobre nós e a nossa visão do mundo. Quem me conhece sabe que passei por uma fase emocionalmente abalada recentemente, mas sempre fui uma pessoa muito extrovertida e risonha. Em vários momentos fiz disso uma fuga dos meus pesadelos e medos. E eu não tinha consciência alguma disso até pouco tempo atrás.
Muitas vezes não paramos para observar os nossos receios e tentar enxergar o que eles dizem sobre nós. Na maior parte do tempo nem sequer temos conhecimento destes receios, encarando-os, simplesmente, como algo de que "não gostamos" ou que "não faz o nosso tipo".
Há ainda os medos que não entendemos ou não enxergamos, não tendo consciência de que nossas ações são, muitas vezes, baseadas nestes. O medo do julgamento, por exemplo. O medo de não agradar, de não ser aceito no meio social. O medo de não se encaixar, de ter uma opinião diferente, muitas vezes até, medo de ter opinião. É como se você fosse ganhar ou perder alguma coisa pensando desta ou daquela maneira ou acreditando nesta ou naquela teoria. Eu tenho muitos destes medos, os quais, aos poucos, vou ficando mais consciente sobre os efeitos que cada um tem sobre mim. Mas isso é uma conversa para outro dia. Hoje eu queria falar um pouco mais sobre um medo em específico: O meu pavor de crianças.
Eu as detestava. Não as compreendia. Por ser uma pessoa bastante divertida, nunca imaginei que isso fosse um medo, mas sim um gosto meu. E qual seria o problema nisso? Nenhum não é mesmo? Afinal, não somos obrigados a gostar de nada nem ninguém. Tem os que gostam de amarelo e os que preferem marmelo (não sei se é bem isso o ditado), enfim, é tudo uma questão de gosto. Por muito tempo eu vivi nesse mesmo discurso de que não gostava de crianças, elas não gostavam de mim e estava tudo bem assim.
As coisas das quais não gostamos, porém, sempre trazem um motivo. Esse motivo varia das mais diversas formas. Antes de falarmos sobre isso, entretanto, vamos pensar um pouco sobre o que significa o gostar. Por que gostamos de certas coisas e não de outras? O que nos leva a apreciar certos gostos, roupas, cores, pessoas, animais e desprezar outros? A verdade é que o gostar também traz o seu motivo e é algo bem subjetivo, que trazemos conosco desde a mais tenra idade através das experiências que a vida nos traz. Pensar sobre esses gostos nos obriga a resgatar algumas destas vivências passadas e trazer à tona as sensações vividas naqueles momentos. O que, definitivamente, nem sempre é uma tarefa fácil ou prazerosa. Pra mim foi difícil perceber que, na verdade, era a minha criança que eu tinha medo de encarar. Foi a minha criança que eu deixei para trás como se ela precisasse sair para que eu continuasse. Foi a minha criança que eu fui afogando aqui dentro, para que ela não saísse pelo mundo contando o mal que lhe tinham feito. Eu tinha vergonha daquela criança. Daquele jeito sincero de encarar as coisas. Daquele riso fácil. Eu a julgava ingênua demais para essa vida dura. No fundo eu descobri que eu só não queria dar oportunidade para que a machucassem de novo. Então eu me escondia atrás do meu riso adulto, e da gargalhada séria. Eu fui deixando-a cada vez mais afundada em mim mesma. Até o dia em que me perguntaram: O que essa sua criança interior te fez para você ter tanto medo dela? Eu nunca tinha pensado dessa forma. Eu já tinha ouvido falar na criança interior que tínhamos que manter viva e tal. Mas eu nunca havia parado para olhar para a minha por essa perspectiva.
Você já teve a sensação de olhar dentro dos seus próprios olhos? Eu tive naquele dia. Eu só não gostei muito do que eu vi. Mas a vida, na sua infinita magnificência e generosidade, mais uma vez, trouxe a oportunidade que eu precisava para vencer mais esse desafio. O desafio de reconquistar a minha criança.
No final do ano passado, meu Sensei tinha uma viagem para Salt Lake City nos Estados Unidos juntamente com o nosso Mestre e alguns de seus Deshis mais próximos. Seria uma viagem de dez dias e Sensei não poderia deixar o Dojo sem treinos por todo esse tempo. Com isso organizamos uma equipe que o auxiliaria na sua ausência. Alguns colegas mais graduados se dispuseram a ministrar os treinos dos adultos no nosso Dojo, outros estavam disponíveis em ajudar, comparecendo aos treinos e orientando os mais novos. Na época eu havia recém realizado o meu exame para o 4ºKyu então, havia pouco que eu poderia fazer para ajudar além disso. Me ofereci para fazer o chá que servimos ao final de cada treino para que os colegas não ficassem sem essa cerimônia tão importante e tão recompensadora. Não demorou muito para que eu recebesse mais um convite do Sensei: auxiliar um colega com os treinos das crianças. Eu fiquei apreensiva. Não sabia como encarar. Eu tinha medo. Eu sabia que não daria conta. Meu histórico com crianças não era bom. Elas não gostavam de mim. Seria um desastre. Mas eu tinha que tentar. Eu não poderia deixar o meu Sensei na mão, ou que tipo de Deshi seria eu em negar um auxílio, sem o menos tentar? E tentar era o mínimo que eu poderia fazer diante de um convite que demandava tanta confiança. Meu Sensei em sua sabedoria, para que tudo isso não se tornasse um grande trauma para mim e, principalmente, para as crianças, me levou, por quase um mês, todas as semanas para auxilia-lo nos treinos infantis. Assim eu poderia conhece-las e ficar mais à vontade com elas e elas comigo. Era uma turma de 4 crianças entre 9 e 11 anos. Lembro que na primeira vez eu nem pisei no tatame. Tamanho era meu medo. Na segunda vez, novamente o Sensei perguntou se eu queria entrar, uma das crianças ouviu e disse que eu deveria. Eu aceitei o convite. Muito tímida e insegura. Eu tinha a sensação de estar sendo julgada, de que cada um dos meus movimentos estava sendo milimetricamente calculado para que pudessem ser discutidos mais tarde na seita secreta infantil que eles formaram unicamente para ter certeza de que fariam minha alma pagar pela minha existência na ausência do Sensei e depois poderem rir ao redor da fogueira tomando suco de uva se deleitando sobre a minha desgraça. Veja como é a mente do ser humano. Eu tinha medo de parecer ridícula e infantil. Então eu ri pouco, mas eu também não queria ser a velha chata, então eu sorri amarelamente. No caminho de volta para casa o Sensei perguntou o que eu tinha achado. Ele deve ter visto o desespero estampado na minha face, porque ele deu risada. Eu só conseguia pensar na dimensão do desastre que estava se formando. O Sensei falou que eu precisava me soltar mais. Brincar e ser uma delas para que elas pudessem me ver como uma igual. Eu decidi que, sim, eu podia. Aos poucos eu fui tentando fazer isso. Fui observando e me libertando dos meus preconceitos. Aos poucos eu fui me permitindo rir das minhas falhas, das brincadeiras, das crianças. Fui me deixando levar. Fui me deixando gostar. Aos poucos o medo foi se transformando em curiosidade e a insegurança em risada. De pouco em pouco eu fui olhando de novo naqueles olhos que haviam me encarado um tempo atrás. Alegria minha ao perceber que, desta vez, um brilho reluzia iluminando todo um novo caminho pela frente. E então meu coração teve paz. A minha criança estava de volta e, agora, era para ficar.
Meu Sensei foi e voltou de viagem e, até hoje, eu não consigo deixar de participar dos treinos das crianças. Para o Sensei eu dou a desculpa de que estou indo ajudar, ele diz que, no final, ele precisava mesmo de uma ajuda. Mas nós dois sabemos que a verdade é outra, não é mesmo?

Solte a criança que há em você. Ela é mais forte do que você imagina. Não é ela quem precisa da sua proteção para este mundo cruel. A verdade é que é você quem precisa da proteção dela.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Meu Caminho Aikidoka - O 3º Kyu


A evolução e o desenvolvimento são coisas engraçadas né? Tão impalpáveis e difíceis de distinguir. A gente sempre pensa estar igual, no mesmo patamar, sem grandes mudanças. O cotidiano é sempre o mesmo, um dia depois do outro. Dificilmente conseguimos identificar as mudanças em nossa personalidade, em nosso modo de ver a vida à nossa volta.
Desde a minha última avaliação, em Outubro de 2017, seis meses se passaram. Olhando para trás hoje, é como se o tempo tivesse voado. Parece ter sido ontem que eu me encontrava tremendo em frente à banca avaliadora para o meu exame de 4º Kyu, totalmente de surpresa, em um dos piores momentos (emocionalmente falando) que eu já vivi.
Os últimos seis meses passaram tão rápido que nem tive a consciência disso até sentar para fazer a minha dissertação sobre a minha trajetória desde a última avaliação até a nova graduação. Foi tão rápido e ao mesmo tempo trouxe tanto aprendizado que nem sei como descrever.
Diferente do passado, desta vez recebi o convite do meu Sensei com bastante antecedência. Desde o início do ano sabíamos da programação do Festival que organizaríamos na nossa cidade em Abril e, assim como no ano anterior, as avaliações seriam realizadas neste evento, o que, no meu entendimento, é ainda pior do que ser surpreendido com um convite de última hora, onde você não tem tempo de pensar, analisar, corrigir, encafifar, perder noites de sono... enfim, não tem tempo de a ansiedade tomar conta de você. A surpresa te permite apresentar o seu Aikido da forma mais crua diante da banca. Sem que você tenha pensado demasiadamente sobre a técnica e sobre cada mínimo movimento. Você simplesmente vai lá e faz, repete tudo o que você já vinha fazendo todos os dias no Dojo, como em um treino normal, só que com pessoas te apreciando em cada movimento. Fica simples colocado desta forma né? E é. É simplesmente isso. Um treino com plateia, como já disse um colega de tatame. Por outro lado, a surpresa não te permite lidar com outras características que te acompanham na vida cotidiana, como a ansiedade, no meu caso. Ter tempo para pensar sobre as situações e para se preparar para elas gera ansiedade.
Conforme a data se aproximava, foi se tornando perceptível a tensão dos colegas, e a minha também, o anseio por estar preparado, a vontade de fazer um bom exame. Quem já me conhece sabe que lidar com a ansiedade é um desafio diário para mim. As semanas que antecedem o exame são bem atípicas no Dojo. É uma época em que dificilmente terão poucas pessoas no treino. Quando se está tão presente no Dojo, consegue-se perceber isso com facilidade e, de certa forma, isso nos permite perceber os colegas com maior facilidade. É um momento de tensão para todos.
Olhando para trás, eu me questiono: o que realmente mudou neste tempo? Quais as coisas que eu pude perceber em mim e quais as minhas atitudes e pensamentos em relação à isso?
É difícil pensar sobre essas questões pois, como falei, as coisas vão acontecendo de forma tão natural e independente que se torna difícil distinguir o igual do diferente quando se trata do auto desenvolvimento.
Nesta minha reflexão lembrei de algo que Marcio Sensei sempre comenta durante os treinamentos no Dojo: o Shoshin (初心) - Mente de principiante. O shoshin é um dos cinco espíritos do Budo. É um estado de atenção que permanece sempre completamente consciente, atento e preparado para ver coisas pela primeira vez. A atitude de shoshin é essencial para continuar o aprendizado. O-Sensei uma vez disse, “Não espere que eu lhe ensine. Você deve roubar as técnicas sozinho”. O aluno deve ter um papel ativo em cada aula, observando com a mente shoshin, para conseguir roubar a lição de cada dia.
Sempre que Sensei comenta sobre isso eu me ponho a refletir sobre o que realmente significa. Significa estar com a mente aberta aos ensinamentos? Significa prestar atenção, estar sempre atento? O que exatamente é estar com a mente de iniciante quando você já absorveu tanta informação e já sabe sobre algumas coisas? E todas as vezes que Sensei falou a respeito nos treinamentos, eu me via de novo e de novo dentro dessa filosofação (palavra que eu inventei agora) sem fim, querendo arduamente uma maior explicação sobre o real significado deste termo. No começo pensei que tinha tudo a ver com humildade e empatia. O que na verdade tem muito a ver, mas que ainda deixam algumas lacunas aqui. Você pode não ser um principiante em algo e ainda assim ser humilde. Não jogar o seu conhecimento na cara do parceiro para engrandecer o seu ego, por exemplo, é uma demonstração de humildade. Me mantive nesse dilema até que um acontecimento em um dos treinos girou a chave dentro de mim e eu abri a porta que me trouxe um leve vislumbre do que talvez signifique o shoshin.
Aconteceu em um treino onde Sensei havia me incumbido de auxiliar uma iniciante. Ela estava na sua segunda ou terceira aula e nós estávamos treinando os princípios básicos de Irimi Nage. Eu estava no 4º Kyu, já havia passado por dois exames de graduação e treinado esta mesma técnica inúmeras vezes. Eu sabia a técnica. Foi então que, no momento em que iniciamos o treino, eu estava para aplicar a técnica na minha colega pela primeira vez, quando ela simplesmente saiu para o outro lado. A princípio pensei que, por medo de assustá-la, eu tivesse entrado muito leve na aplicação. Na segunda tentativa, com mais intensidade, ela escapou de novo, igualzinho da primeira vez. Sensei estava observando bem ao nosso lado, e me solicitou que tentasse novamente. O fiz e, mais uma vez, fracassei. Para me defender (e só hoje percebo que foi um puro e simples argumento de defesa) eu disse: "- Ela não vai comigo!" ao passo que Sensei respondeu: "- Você deve mostrar a ela o caminho, você tem a responsabilidade de levá-la.", então, prontamente Sensei demonstrou a técnica na minha colega, e ela foi, como uma pena ela o acompanhou. Nesta ocasião percebi que talvez estivesse fazendo as perguntas erradas ao tentar entender o shoshin. Talvez as perguntas fossem: será que você realmente já sabe algumas coisas? Será que as coisas que você acha que sabe, você sabe de verdade, ou só tem a percepção de saber? Será que esse seu saber não é apenas um reflexo do seu ponto de vista e nada tenha a ver com a amplitude deste movimento?
Eu sempre gostei de treinar com os iniciantes, justamente por eles nos desafiarem com suas dúvidas e formas de enxergar os movimentos que são únicos de cada um. "Eles não tem vícios" me disse Marcio Sensei um certo dia. Já me deparei com situações em que eu nunca havia parado para pensar, pois no meu entendimento era tão óbvio, que eu jamais imaginei que alguém pudesse ter alguma dúvida ou pensar diferente. Desde este dia tenho me esforçado mais nos treinos com os iniciantes. Tenho tomado cada treino como uma oportunidade de ver a mesma técnica, o mesmo movimento de uma forma completamente nova, sem vícios e sem uma ideia pré estabelecida, tentando entender qual a percepção do colega em relação ao movimento e me abrindo para novas percepções e novas realidades. Isso tem me ajudado a compreender o quanto a técnica tem vida própria. Ela não é apenas um aglomerado de passos e movimentos engessados, como numa aula de dança ou numa fórmula matemática. Ela é viva e muda a cada parceiro e a cada dia. O Irimi Nage de agora jamais será igual ao de um minuto atrás. Ele é único do seu jeito e não vai se repetir. Apenas a sua essência permanece, a energia de cada um dos parceiros e o estado emocional, porém, são o que tornam cada um dos movimentos tão singulares e complexos.
Depois deste choque de realidade ao qual fui exposta tenho percebido a cada dia o quanto é difícil manter o espírito do shoshin. Ele nos obriga a aniquilar o nosso próprio ego. Nos incita a reconhecer que nada sabemos e que quanto mais estudamos cada movimento, mais teremos para descobrir a respeito de cada um deles. E isso é desafiador. Amedrontador. Eu percebi que precisava trabalhar meu ego e minha presunção em pensar que, diferente dos iniciantes, eu já soubesse algo quando, na verdade, nada sei a respeito da essência da grande maioria dos movimentos (senão todos). Eu estava me colocando em uma posição bastante perigosa ao não refletir sobre isso. Marcio Sensei sempre me deu muita oportunidade. Me permitindo receber os alunos novos e acompanhá-los nos primeiros treinos, auxiliá-los no seu início da caminhada. Isso, entretanto, nada tem a ver com eu saber ou não alguma coisa. Tem muito mais a ver com fazer o parceiro se sentir parte do grupo desde o seu primeiro contato. Dar-lhe segurança, fazer com que ele veja que é bem vindo e que tudo será no seu tempo e no seu ritmo. Tem a ver com o meu comprometimento com a prática e com o exemplo que eu posso dar de que todos podem conseguir se tentarem com engajamento e determinação. Minha atitude em relação a esse contato mudou. Percebi que na caminhada é preciso liberdade. Que a maioria das coisas não são entendidas quando explicadas, mas quando vividas. Minha percepção em relação ao meu treinamento mudou ainda mais. Procuro fechar mais a boca e abrir mais os olhos e a mente.
E tudo isso me trouxe ao momento do último exame de uma forma bastante consciente e me ajudou a passar pelo nervosismo de uma maneira mais lúcida e tranquila.
O Festival aconteceu nos dias 21 e 22 de Abril de 2018, onde no sábado tivemos um dia bem intenso com treinos ministrados por vários instrutores do nosso Instituto e foram bem diferentes e muito proveitosos. No domingo haveriam os exames de graduação de faixa de todo o pessoal que já havia cumprido com os pré-requisitos, incluindo vários dos meus colegas de tatame e eu mesma.
Como o 3º Kyu é uma graduação de baixa a intermediária, eu sabia que teria de esperar a minha vez por um tempo de qualquer forma, os exames iniciando da menor para a maior graduação ou vice versa. Então procurei me manter ocupada. Ajudei o máximo de colegas possível em suas graduações como Uke e também com aquele pensamento positivo. Mandando boas vibrações para todos os que estavam passando pelas suas provações, cada um do seu jeito e dentro da sua realidade. Manter o pensamento positivo pelos que estavam fazendo o exame antes de mim me ajudou muito a lidar com o meu próprio nervosismo.
Além de tudo isso, eu consigo perceber o quanto eu estava alegre naquele dia. Era um sentimento de felicidade, como se nada pudesse me apagar naquele momento. Eu senti ansiedade, sim. Pensei nas técnicas, lembro de ter me sentido nervosa em relação à minha execução em algumas técnicas que tenho maior dificuldade, mas a sensação que reinava era o anseio de viver aquele momento. Era uma coisa boa. Sabe aquele friozinho na barriga que você tem quando vai fazer uma coisa que você gosta muito? Como no dia em que você vai sair para um happy hour delicioso depois do trabalho com pessoas super queridas por você e você sente aquela vontade de que a hora chegue logo? Era esse sentimento que eu tinha. De que eu queria muito viver aquele momento intenso e importante pra mim. Também, foi a primeira vez que eu tive a honra de contar com a presença da minha família assistindo ao meu exame. A maioria deles nunca nem tinha me visto treinar. Então a emoção estava grande.
Foram organizadas 5 bancas avaliadoras e os exames foram acontecendo. Conforme eles iam passando lembro de estar cada vez mais consciente das minhas emoções. Logo fui anunciada para a minha avaliação. Exatamente na banca que eu tanto estava torcendo para ser chamada, a do Jonathan Sensei, de Joinville. Pelo respeito e admiração que tenho por ele, sabia que ele seria criterioso e justo na minha prova e eu não poderia querer nada mais do que isso para a minha evolução.
Pela primeira vez tive o auxílio de duas Ukes com quem havia tido bem pouco contato em treinos, por serem de outro Dojo e, mais uma vez, pude colocar o espírito do shoshin em prática. Sendo elas alunas de outro Sensei e também pessoas com quem eu tinha treinado tão pouco, o nosso entendimento das técnicas e dos movimentos com certeza seriam ainda mais divergentes. Era um desafio a ser superado. Acontece que foi ótimo! Ambas me deixaram super a vontade, não deixando de lado o vigor e a vontade. Me senti realmente desafiada por elas e me sentia ótima por tê-las comigo naquele momento importante (Rose e Alexandra, se vocês lerem isso, saibam que sou muito grata por toda a energia despendida!). Eu tive várias anotações de lição de casa, bem diferente do meu último exame, em que tive apenas uma. Tecnicamente tenho muito a aprender e aprimorar, entretanto, este foi, de longe, o meu melhor exame até o momento! Não pela técnica, não pela faixa, por mim. Pela maneira como eu estava me sentindo. Eu dormi super bem na noite anterior! Estava descansada. Ansiosa sim, mas com uma enorme tranquilidade interna, o que me deu o maior sentimento de vitória. A vitória de estar lúcida em uma situação de estresse. De estar bem comigo mesma e conseguir ver como o Universo pode ser maravilhoso quando decidimos olhar para ele e senti-lo. A vitória sobre a minha ansiedade. Mais uma vez.

Mantenha a mente de principiante, sempre!

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Meu Caminho Aikidoka - Ansiedade e O 4º Kyu

Eu sempre fui uma pessoa ansiosa. Desde a minha fase infantil eu consigo lembrar da ansiedade em diversos momentos. O primeiro dia de aula. A noite antes da prova. O aniversário. A apresentação na escola. É normal a gente ficar um pouco inquieto e nervoso diante destas situações, não é? Mas comigo essas sensações foram se intensificando com o passar do tempo. Conforme eu crescia e amadurecia, a pressão aumentava e eu ia ficando ansiosa sem motivo. Ou, como eu descrevia na época, por tudo.
Olhando de fora parece pouco. Mas para quem está vivendo a situação, é um puro turbilhão de informações que precisam ser processadas muito rápido, o quanto antes.
Antes de começarmos a falar sobre tudo isso, vamos à uma pequena definição sobre ansiedade:

Ansiedade, ânsia ou nervosismo é uma característica biológica do ser humano e animais, que antecede momentos de perigo real OU IMAGINÁRIO, marcada por sensações corporais desagradáveis, tais como: sensação de vazio no estômago, coração batendo rápido, medo intenso, aperto no tórax, transpiração e outras alterações associadas à disfunção do sistema nervoso autônomo.

É engraçado como a gente não aprende a lidar com isso, não é mesmo? Ninguém diz pra gente que está tudo bem. Tudo bem não ter vontade de algumas coisas as vezes... que isso não significa que você é preguiçoso, ou que você à partir daquele momento é um irresponsável total, ninguém te explica que não somos de ferro. Na verdade é bem pelo contrário. A gente escuta que se continuar assim, nunca seremos alguém nessa vida, que se eu faltar um dia na escola eu vou reprovar e que, "já pensou, ter que fazer todo o ano de novo!!?" Melhor não arriscar né? E então você vai sem vontade mesmo, vai com dor, vai doente, só vai. "E não esqueça de anotar tudinho o que o professor falar hem", "não converse", não isso, não aquilo. "Cuidado! Esses seus amigos ainda vão te trazer problemas, eles não são boas influências". "Já fez a tarefa do cursinho? E aquele passo de dança, você já dominou? Eu vi que a sua coleguinha já está fazendo perfeitamente"... e por aí vai.
Eu cresci em uma sociedade que me exigia desde cedo ter todas as respostas, tomar as decisões corretas, ter um planejamento de vida, ter tudo sob controle, descobrir a minha profissão dos sonhos com 13 anos! Afinal eu tinha que estudar logo pro vestibular! Não posso me atrasar! "Você não quer acabar como os seus pais não é??"
E o que eu me perguntava era: Como assim como os meus pais? Eu quero ser exatamente como eles!! Gente, eles sabem tudo! Eles curam as minhas doenças, eles sabem resolver problemas que eu nem saberia por onde começar... é só falar que eles resolvem, e eles não choram!!! Então por que todo mundo fica me dizendo que eu não posso ser como eles? Foi nessa época que a minha visão de pais heróis foi destruída, para dar lugar à incessante busca do eu (humano) mais que perfeito.
Assim nasceu a geração da "Ansiedade - O Mal do Século" e eu faço parte dela.

Na minha fase adulta todas aquelas sensações só se intensificaram cada vez mais. As pessoas me elogiavam por eu estar sempre ligada em tudo, menos em mim mesma. Eu tinha todas as respostas e as que eu não tinha, eu era sempre a primeira a conseguir. Na minha vida profissional isso me ajudou tanto! Ah, como eu era bem vista por colocar a vida profissional acima de tudo! O restante é que era meio bagunçado. Ninguém entendia por que eu era sempre tão impulsiva, nunca estava contente. E se aquela lágrima escorria eu ouvia: "Nossa, eu pensei que você fosse mais forte! Eu sempre te vi como uma fortaleza!" Nem eu entendia na verdade. Eu não sabia quem eu era. Eu nem sabia que eu poderia um dia vir a saber quem eu era. Que, na verdade, eu não era a função que eu estava exercendo no momento. Que SER, na verdade era algo bem mais pessoal e íntimo. Como um robô eu produzia, produzia e produzia, sempre mais, sempre melhor, sempre primeiro. "Eu sei que você é capaz de lidar com isso", eles disseram.
Com o tempo, gradativamente, aquelas sensações psicológicas começaram a aparecer fisicamente. As taquicardias, o suor frio, um pequeno pânico, aquele grito com o colega de trabalho (mas só uma vezinha né... oras que mal tem? Quem nunca?), quase passar por cima do motociclista com o carro porque você "não o viu". De onde ele veio, afinal??
Sem que eu percebesse tudo isso começou a tomar conta do meu cotidiano. Eu nem percebia o que acontecia. Como eu poderia saber que nada disso era normal? E era bem desconfortável na verdade... "mas eu sou tão jovem!" "Não tem nada de errado comigo!" "Eu sempre fiz tudo certo, não é mesmo?" "Deixe de ser um bebê chorão! Isso não é nada! Vai passar." eu dizia para mim mesma frequentemente.
E você leva essa vida. Vai passar, afinal. Você precisa produzir, não tem tempo para essas besteiras adolescentes. E se o seu chefe encontrar um substituto? Até o dia que você sai do trabalho e não lembra como chegou em casa. "Nossa, que estranho né? Mas eu estou bem, deve ser o cansaço, o stress! Eu fui no automático".
Você vai levando. Até o dia em que você está andando na rua e acorda com a buzina de um caminhão gigantesco freando bruscamente na sua frente. O motorista te xingando e você nem sabe onde está. Você só sabe que tem que sair rápido dali mas os seus pés não estão respondendo. "Por que o mundo está em câmera lenta?" Você não sente as pernas e o ar te falta.
Sim, isso aconteceu comigo.
Eu nunca contei pra ninguém o que aconteceu naquele dia. Até porque eu nem sei direito. Eu lembro da buzina alta. Do som dos pneus cantando. Do caminhão. Do motorista enfurecido. Mais nada.
E essa foi a primeira vez em que eu lembro de ter pensado que, não, isso não é normal.
Eu decidi que talvez fosse melhor ir ao médico. Mas que médico? Eu nem sabia o que dizer pra ele, na verdade. Eu fui então em um clínico geral que eu já conhecia, sentei lá e falei. Falei tudo. Desde a taquicardia, o suor frio, o pensamento acelerado, alteração de humor, pensamentos ruins, até o pequeno incidente que quase resultou no meu corpo sem vida estendido no meio do asfalto. Ele me pediu alguns exames de sangue. "Exame de sangue mostra essas coisas?" Saí de lá com uma receita de antidepressivo/ansiolítico e uma orientação pra tentar não me estressar.
Então eu iniciei o tratamento com a medicação. O resultado apareceu logo. Cerca de semanas e eu já me sentia outra pessoa. "Essa era eu de verdade?" Não sei. Eu só sei que eu estava tão calma, mas tão calma... Meio letárgica até. Algumas noites eu ainda não dormia, mas nada é perfeito nessa vida não é mesmo? Normal, eu pensava.
Nesse meio tempo eu conheci o Sensei Marcio Maestri e comecei a treinar Aikido no Minami No Tani Dojo. Os meses se passaram e a minha paixão pela arte marcial crescia cada vez mais. Eu já tinha feito o meu exame para o 5º Kyu e muitas vezes me sentia frustrada por estar dependendo de uma droga para ter tudo no lugar. Por que eu não podia ficar bem sem ela? Em alguns momentos depois de ter começado nos treinos de Aikido eu até tentei, por conta própria, parar o tratamento com o fármaco, mas o efeito no meu corpo era tão forte que eu voltava correndo. Era frustrante.
Como eu já estava aprendendo a olhar mais para mim mesma, me reconhecer e me avaliar, eu sabia que aquela não era eu. Eu tinha que ter mais energia que aquilo. E as minha ideias, foram parar onde? Onde estava a minha paixão pela vida? Aquela alegria que eu sabia que existia aqui dentro e que eu tinha recordação de sempre contagiar a todos na infância? Eu sabia que precisava resgatar isso de alguma maneira.
Há 4 meses eu estava chegando ao final de mais uma cartela de pílulas antidepressivas e precisaria fazer uma consulta com o meu médico a fim de conseguir mais uma receita da droga. O meu nível de ansiedade aumentava só de pensar que meu remédio poderia acabar antes que eu conseguisse uma hora na agenda dele.
Eu ainda tinha 5 comprimidos quando liguei no consultório do meu médico para agendar o meu retorno e foi então que o meu pesadelo se tornou realidade. Ele havia saído de férias, voltaria apenas no mês seguinte. Ninguém ali poderia me fornecer a tal receita mágica... No meio do meu desespero eu tentei ver na situação a minha chance de sair do consumo daquele medicamento. Na época eu estava de férias do trabalho e pensei então que se eu passasse muito mal com as tonturas e vômitos eu poderia ficar na cama. Conversei com a minha família a respeito. Eles demonstraram apoio mas acharam perigoso. Mesmo que para eles fosse clara a minha insatisfação em tomar o remédio. Com o Aikido para me dar suporte, e tinha certeza de que daria conta. Logo meu Sensei também soube da situação em um dia em que eu estava me sentindo particularmente ansiosa durante um treino e ele veio ter comigo. Falamos a respeito e ele me instigou mais ainda a parar, me ofereceu todo o suporte durante a transição.
No início eu intercalei os remédios dia sim, dia não. Mesmo assim rapidamente ele acabou.
Quase uma semana havia se passado desde que eu tomara minha última dose quando tivemos um festival de Aikido do nosso Instituto em uma cidade próxima da minha. O festival era aberto ao público para que a comunidade pudesse conhecer melhor o Aikido e a cultura Japonesa. O evento foi dividido nos dois dias daquele fina de semana. O primeiro sendo bem focado na cultura Japonesa e com diversos treinos e o segundo contando, também, com as avaliações para graduação de Kyu em que alguns dos meus colegas de tatame iriam participar.
Eu estava particularmente fragilizada nesse final de semana devido aos efeitos da abstinência. O meu nível de ansiedade estava nas alturas e eu tinha crises de choro e tremedeira. Eu estava ali pelos meus colegas, mas também por mim. Eu tinha certeza de que precisava daquilo e que me faria bem. Eu não queria passar aquela dor sozinha... acho que essa é a verdade mais pura. Eu queria estar junto dos meus amigos no meu momento mais difícil e libertador.
No Domingo à tarde ocorreriam os Exames de Faixa e eu já estava um trapo. Em cima do tatame tive a oportunidade de auxiliar alguns dos meus colegas em seus exames. Ao passo em que chegamos à última rodada de avaliados, duas bancas avaliadoras ficaram "ociosas". Neste momento um dos meus colegas mais chegados foi convidado a realizar o seu exame de surpresa. Todos desconfiávamos que isso poderia acontecer mas, nada era concreto. Ficamos muito felizes ao ouvirmos o nome dele ser chamado. O meu sorriso por ele ainda nem havia se desfeito no rosto quando ouvi o meu próprio nome ser anunciado. Espantada e perdida olhei ao redor para ver se era comigo mesmo que estavam falando... e era.
Eu estava sendo convidada a realizar o meu Exame de Faixa para 4º Kyu, completamente de surpresa.
Estupefata, já suando e meio tremendo me apresentei perante a banca avaliadora. Lembro de ter sentido aquela ponta de pânico tentando aparecer e pensei que aquele era o momento de colocar em prática todos aqueles exercícios de respiração e concentração que eu já havia treinado no Dojo e em tantas outras atividades fora do tatame. Fechei os olhos e respirei muito fundo. O suor escorria pela minha testa, percorrendo todo o meu rosto e pingando no tatame. Eu resolvi não me apegar à elas. Elas estavam ali, mostrando a todos o nível do meu nervosismo, mas eu decidi que elas não definiriam os meus movimentos durante a aplicação das técnicas. No momento em que meus olhos se abriram eu sabia que estava pronta.
Eu sabia as técnicas, os movimentos. Eu conhecia minhas Ukes. Então eu só precisava me concentrar em respirar e deixar que as coisas fluíssem. E foi o que eu fiz. Eu não corri nem me apressei. Eu respirei a cada movimento, eu sabia que minhas Ukes, por serem colegas próximas de tatame, sabiam como eu estava e pelo que eu vinha passando e elas, assim como eu, estariam nervosas. Eu precisava que elas relaxassem para que pudessem me ajudar. Então eu relaxei primeiro, transmiti a elas a minha energia e elas absorveram isso em instantes. A primeira rodada nem havia sido concluída e a harmonia já reinava nos nossos movimentos. Sou muito grata à elas por terem se doado àquele momento por mim.
Ao final do meu exame, durante o momento de deliberação da banca eu lembro de ter balançado. Balançado forte. Comecei a encontrar os erros que eu havia cometido durante o exame e que resultariam em um convite para que eu treinasse mais, o vulgo "reprovado". A minha auto sabotagem estava crescendo conforme os segundos passavam, mas não durou muito. As gotas de suor ainda rolavam pela minha testa abaixo em direção ao chão quando fui chamada para ouvir o meu resultado.
"Aline Suelen Laurindo, avaliação de Faixa Amarela para Faixa Roxa" disse a cabeça da banca. "Aprovada".
Nesse momento foi como se o meu coração parasse de bater.
Me curvei em reverência e imediatamente as lágrimas verteram. Chorando, procurei com os olhos pelo meu Sensei. O reverenciei em profundo agradecimento por aquele momento. Minha esposa também estava presente. A reverenciei em agradecimento por todo o apoio. Após prestar reverência a todos os presentes, me levantei, corri em direção ao meu Sensei e o abracei forte. Eu estava muito emocionada e tenho a impressão de que ele meio que "suou pelos olhos" naquela hora. Mas acho que foi só uma impressão minha.
Eu me dispus a relatar esse acontecimento pois foi um marco importantíssimo na conquista da minha liberdade. A minha transição de "pessoa ansiosa em tratamento com uma dependência química" para "pessoa livre que lida com a ansiedade" chegara ao fim. À partir daquele momento eu sabia que era capaz de tudo.
Os dias que se seguiram foram um misto de emoções e aprendizado. Eu sabia que conseguiria vencer as noites sem dormir, eu só precisava aprender como fazer isso. Falei para mim mesma que eu só precisava ter um pouco de paciência. Se eu consegui realizar um Exame de Faixa em um dos piores dias da minha existência e sair viva com dois elogios da banca e apenas uma anotação de lição de casa, eu conseguiria encontrar aquela mesma tranquilidade para dormir, com absoluta certeza. Assim como eu também conseguiria resolver todos as outras situações da vida. Sem estresse. Sem pânico. Sem ansiedade.
Então, jamais desista de você.

Você é capaz, acredite!

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Meu Caminho Aikidoka - Gratidão


Então um novo ano se inicia. E com ele um universo cheio de novas oportunidades não é mesmo?
Essa época do ano mexe muito comigo, por várias razões. É sempre um misto de alegria, tristeza, ansiedade, medo e várias outras sensações misturadas. Eu gosto de ter um pequeno ritual comigo mesma no decorrer das semanas que finalizam o ano e as que iniciam o novo ciclo. Eu tento, no meio da correria das festas de final de ano, aquela loucura que todo mundo conhece, encerramento no trabalho, na escola dos filhos, na faculdade, mostra de dança da irmã, reunião com os amigos, término do cursinho e por aí vai... é compromisso que não acaba mais. Bem no meio de tudo isso eu tento tirar aquele tempo pra mim. Pra conversar comigo sabe. Olhar pra mim e pensar em tudo o que passou nos últimos 12 meses. Será que eu realizei os desejos que eu tinha lá em Janeiro? Será que hoje esses mesmos valores fazem sentido pra mim? Será que eu cresci? Me desenvolvi? Me aprimorei de alguma forma? Saí do lugar onde eu estava?
E eu me lembro de sempre ter aquela sensação de que o ano havia sido um enorme martírio. Com muitas dificuldades e tantos perrengues que eu até havia perdido as contas...
Esse ano, não diferente dos outros, o momento da minha reflexão chegou. Mas alguma coisa estava diferente. Eu não sabia bem o que era, mas era diferente. Eu simplesmente estava calma, tranquila comigo mesma. Isso não é muito natural em mim... Hahaha! Principalmente no momento em que eu ia olhar pra trás e reconhecer todas as cagadas que eu não poderia repetir no próximo ano.
Relembrando, eu vi que tinha uma vontade de segurar na mão de cada uma das pessoas que passou pelo meu ano e dizer só uma palavra: Obrigada!
E quando eu falo isso, é até engraçado, porque parece bem clichê né? Agradecer às pessoas que estão ao seu lado... Mas não, foi diferente porque eu queria encontrar as pessoas que em algum momento me fizeram passar por algo ruim e dizer: Obrigada!
Aquelas que deixaram no passado algum assunto mal resolvido, mal explicado, inacabado... Eu sentia uma necessidade de fechar os ciclos incompletos para que eu pudesse seguir adiante. Então foi isso que eu fiz. Fui até essas pessoas, e disse que as perdoava, que poderíamos seguir em frente, cada um no seu caminho, sem mágoas passadas. É engraçado porque, no fim, isso era o que elas precisavam também... seguir em frente. Por isso sou grata. Por essas pessoas terem me recebido, me ouvido, me aceitado e aceitado o meu perdão. Sou grata pois elas me ajudaram a evoluir. A enfrentar parte do meu passado e seguir.
Durante a minha reflexão de final de ano eu vou fazendo uma retrospectiva das coisas que eu fiz, que eu deixei de fazer, coisas que eu queria e não consegui e, esse ano, eu busquei também tudo aquilo que eu queria e consegui. Significa que este meu ano foi mais brando que os outros? Não... com certeza não. A diferença é que esse ano eu aprendi o que é gratidão. E isso só se aprende diante das dificuldades. 
É muito fácil ser grato quando o vento sopra ao seu favor e as coisas dão certo, sem te exigir muito esforço, não é? Mas o verdadeiro sentido da Gratidão está em agradecer pelas dificuldades. Ser grato por não conseguir comprar aquela coisa que você queria tanto mas depois descobriu que consegue viver tão bem sem ela. Ser grato por não conseguir atender a todos os compromissos pra reconhecer que precisa aprender a organizar o seu tempo. Ser grato por ter sido pego de surpresa por aquela tempestade e descobrir que a chuva nem é assim tão ruim como os outros diziam. 
As dificuldades nos fazem fortes. Mais um clichê aqui né? 
Mas é uma verdade absoluta.
Quando alguma dificuldade surge somos obrigados a sair da nossa zona de conforto. E isso é tão ruim! É ruim porque não sabemos o que vamos encontrar do outro lado da porta. É ruim porque somos obrigados a abri-la, querendo ou não, a porta vai se abrir. E temos medo. Medo do desconhecido. Mas, por que temos tanto medo do que não conhecemos? Temos medo porque fomos criados para sabermos tudo. Sempre temos que ter todas as respostas. Ai de nós falharmos.
Nós gostamos de segurança. Mas segurança não traz desenvolvimento.
Esse ano eu fui demitida. 
Depois do choque inicial eu percebi que não poderia ter me acontecido coisa melhor. A minha coordenadora disse que o meu perfil não se encaixava no que a empresa precisava. Após refletir um pouco sobre isso, ao invés de julga-la por não ter me ajudado a me desenvolver e me tornar o perfil que a empresa tanto desejava, eu decidi que tudo bem. Sabe, tudo bem eu não ser o que eles precisavam naquele momento. Tudo bem eu não ter as respostas, as atitudes, o conhecimento. Está tudo bem.
Em toda a minha vida trabalhando eu sempre pensei que precisava me desenvolver ao máximo, tirar o maior proveito de tudo, ser expert, ser a melhor. E para isso eu levava totalmente a sério tudo o que todos os meus superiores diziam, afinal, eles é que sabiam, não é mesmo? Eles sabiam tudo o que eu precisava ser: Aline, você precisa fazer isso, fazer aquilo, ser assim, ser assado... e lá ia eu, me desdobrar, fazer malabarismo pra alcançar o perfil, pra bater a meta, pra aguentar a pressão, ser a funcionária do mês, todos os meses, fazer "amizade" com quem precisava me "ver", ganhar uma promoção, e eu continuava mesmo quando os meus superiores contradiziam tudo o que tinham me exigido antes: Aline, você não pode fazer isso, nem aquilo, você não deve ser assim nem assado. Além disso, eu ainda queria ajudar todo mundo, ter amigos, ser saudável... O problema é que no meio disso tudo eu não sabia quem eu era. Eu não sabia o que eu queria nem pra onde eu estava indo, muito menos qual era o propósito de tudo isso... todo esse esforço, sendo alguém que eu não sou, que me desmotiva, que me estressa, que me adoece... para quê?
Então, se você, minha coordenadora, estiver lendo isso agora, saiba que sou grata, verdadeiramente, pela oportunidade que vocês me deram de me descobrir, ver quem eu realmente sou, ou pelo menos, ver o que eu não quero ser. Você tinha razão, o meu perfil não bate com o que a empresa precisa, e está tudo bem. É que eu não sou assim... e eu descobri que nem é o que eu quero me tornar. Obrigada por ter sido sincera, por ter me ensinado tudo o que eu aprendi com a sua equipe e por ter me dado a chance de tentar e descobrir que não era pra mim... e que eu não era pra vocês também. Desejo muito sucesso à vocês viu!!
Com a minha demissão eu tinha muito tempo livre. Então eu decidi fazer as coisas que eu gostava de fazer. Eu voltei a escrever. Eu me dediquei de corpo e alma aos treinos de Aikido (Domo Arigato Sensei Marcio por ter aberto as portas pra mim). Eu enfrentei meu medo de crianças. Eu comecei a andar de bicicleta e descobri que eu ainda sabia! Eu fui ao cinema com pessoas muito especiais, ver filmes muito dahora! Eu reencontrei velhos amigos. Eu tomei muito café! 
Sabe o que é mais interessante? Eu sempre pensei que amasse dormir... eu estava sempre cansada, sempre pensando na hora de ir dormir, e sempre queria dormir até muito tarde, sempre achando que eu dormia muito pouco, que isso me fazia mal... Agora me perguntem se depois da minha demissão eu dormia até tarde... Não! Foi o período que eu mais levantei cedo na minha história! Sabe o que mais? Eu levantava rindo! Porque os compromissos que eu tinha eram mais do que prazerosos! Porque eram coisas que eu gostava! Coisas que eu queria e nem sabia!
Nesse período surgiu a oportunidade de cuidar da minha sobrinha pequena (olha o medo de criança sendo desafiado aí de novo). Ela não tem um ano ainda e a minha missão era ficar algumas horas com ela entre o horário que o pai dela saía para trabalhar até o horário que a mãe dela chegava em casa. Durante o período que eu fiquei com ela eu pude aprender várias coisas. Eu troquei fraldas pela primeira vez, dei comida, água, cantei canções de ninar, brinquei, aprendi musiquinhas infantis... Mas sabe o que mais me chamou a atenção? Foi ver o quanto um bebê é igual à nós adultos. Os bebês precisam aprender várias coisas, e nós também. E precisam fazer isso muito rápido, nós também.
Ela tem menos de um aninho e está na idade de começar a sentar, ter um pouco de noção do seu corpo, do espaço, etc. Nós colocávamos ela sentada, toda envolta em travesseirinhos pra ela não se machucar quando caísse até que ela se acostumasse. Mas, toda vez que ela caía, não sabia o que fazer e começava a chorar. Eu, desesperada, ia correndo acudir, sentava ela de novo, até que ela caísse mais uma vez e chorasse mais uma vez. Eu observei que ela não fazia esforço nenhum pra levantar. Ela não sabia como. Então, quando ela caiu de novo, eu fiquei observando. Como esperado, ela já abriu o berreiro de cara. Pra ela já era uma associação: posição desconfortável + choro = sentada de novo. Então eu não fui correndo colocar ela sentada. Deixei ela chorar por um tempo (desculpa cunhada! rsrsrsr), logicamente ela não levantou sozinha, mas eu decidi ajudar ela, e não deixar ela pronta sentada. Ela precisava ver que conseguiria, mesmo sem a minha ajuda. Depois disso, toda vez que ela caía, eu deixava ela chorar por um tempo antes de ir ajudá-la. Até o dia em que ela caiu e começou a lutar, obviamente sem sucesso, antes de abrir o berreiro. 
E eu fiquei pensando nisso por um tempo depois. Eu já fui bebê também. A minha mãe me viu passar pelas mesmas dificuldades que a minha sobrinha está passando, e me ensinou. Me ensinou a levantar, e por isso eu sei sentar hoje. Porque ela me deixou chorar para que eu descobrisse o que eu precisava fazer pra sentar sozinha. E depois, pra ficar de pé sozinha, andar sozinha, comer, andar de bicicleta... para poder fazer todas essas atividades eu sofri, eu caí, eu chorei. E eu sou grata mãe, por todas as vezes que você me ajuntou do chão, em prantos, e me pôs novamente sentada, depois em pé. Mas mãe, eu sou muito mais grata pelas vezes que você me deixou chorar até que eu descobrisse que era capaz.
Hoje, na vida adulta, não é diferente. Temos muitas pessoas ao nosso redor nos auxiliando em tudo o que fazemos, e isso é bom! Ah isso é ótimo! Isso faz bem!
"Mas Aline, você não acabou de dizer que temos que sofrer, aprender e blá, blá, blá!?"
Sim, disse e não estou desdizendo o que foi dito.
Vejam que eu estava cuidando da minha sobrinha. Ajudando ela a sentar. E eu sou grata por isso. Se ela já soubesse sentar, eu não teria a oportunidade de ajudar alguém a sentar, eu nem teria aprendido a ajudar alguém a sentar. E eu também sofri... ouvir ela chorando não era fácil, doía no coração. Se eu não a tivesse ajudado ela não saberia sentar, ela nem teria noção de que é capaz...
Conseguem ver como é uma troca?
Essa com certeza foi a minha lição de 2017. Gratidão.
Então, sempre que alguém te oferecer auxílio com algo, aceite! Seja grato! Não importa se você já sabe fazer muito bem feito isso ou aquilo! Eu sei que você faz muito bem sozinho, você também sabe... não tem que provar nada pra ninguém. Aceite simplesmente. Dê a oportunidade de uma outra pessoa ajudar alguém. Dê à outra pessoa aquele gostinho de dever cumprido que a gente sente depois de ajudar!
E mais importante, ajude as outras pessoas. Seja grato sempre que você for ajudar alguém. Seja grato pela oportunidade de partilhar o seu conhecimento e fazer um conhecimento novo! Não ajude esperando algo em troca, isso não é partilhar, nem ajudar.
Sabe aquele ditado: Gentileza gera gentileza?
Então, é assim mesmo.
A gentileza que você faz hoje, vai voltar pra você, pode ter certeza. A questão é que ela não volta do mesmo lugar onde ela foi aplicada. Ela pode vir de qualquer lugar, de qualquer pessoa... a gentileza que você espera dessa pessoa com quem você foi gentil já foi destinada a outro... assim como a sua gentileza também não volta necessariamente pra quem foi legal com você... e assim é a vida.
Seja grato!
Sempre!