Meu Caminho Aikidoka

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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Meu Caminho Aikidoka - Ansiedade e O 4º Kyu

Eu sempre fui uma pessoa ansiosa. Desde a minha fase infantil eu consigo lembrar da ansiedade em diversos momentos. O primeiro dia de aula. A noite antes da prova. O aniversário. A apresentação na escola. É normal a gente ficar um pouco inquieto e nervoso diante destas situações, não é? Mas comigo essas sensações foram se intensificando com o passar do tempo. Conforme eu crescia e amadurecia, a pressão aumentava e eu ia ficando ansiosa sem motivo. Ou, como eu descrevia na época, por tudo.
Olhando de fora parece pouco. Mas para quem está vivendo a situação, é um puro turbilhão de informações que precisam ser processadas muito rápido, o quanto antes.
Antes de começarmos a falar sobre tudo isso, vamos à uma pequena definição sobre ansiedade:

Ansiedade, ânsia ou nervosismo é uma característica biológica do ser humano e animais, que antecede momentos de perigo real OU IMAGINÁRIO, marcada por sensações corporais desagradáveis, tais como: sensação de vazio no estômago, coração batendo rápido, medo intenso, aperto no tórax, transpiração e outras alterações associadas à disfunção do sistema nervoso autônomo.

É engraçado como a gente não aprende a lidar com isso, não é mesmo? Ninguém diz pra gente que está tudo bem. Tudo bem não ter vontade de algumas coisas as vezes... que isso não significa que você é preguiçoso, ou que você à partir daquele momento é um irresponsável total, ninguém te explica que não somos de ferro. Na verdade é bem pelo contrário. A gente escuta que se continuar assim, nunca seremos alguém nessa vida, que se eu faltar um dia na escola eu vou reprovar e que, "já pensou, ter que fazer todo o ano de novo!!?" Melhor não arriscar né? E então você vai sem vontade mesmo, vai com dor, vai doente, só vai. "E não esqueça de anotar tudinho o que o professor falar hem", "não converse", não isso, não aquilo. "Cuidado! Esses seus amigos ainda vão te trazer problemas, eles não são boas influências". "Já fez a tarefa do cursinho? E aquele passo de dança, você já dominou? Eu vi que a sua coleguinha já está fazendo perfeitamente"... e por aí vai.
Eu cresci em uma sociedade que me exigia desde cedo ter todas as respostas, tomar as decisões corretas, ter um planejamento de vida, ter tudo sob controle, descobrir a minha profissão dos sonhos com 13 anos! Afinal eu tinha que estudar logo pro vestibular! Não posso me atrasar! "Você não quer acabar como os seus pais não é??"
E o que eu me perguntava era: Como assim como os meus pais? Eu quero ser exatamente como eles!! Gente, eles sabem tudo! Eles curam as minhas doenças, eles sabem resolver problemas que eu nem saberia por onde começar... é só falar que eles resolvem, e eles não choram!!! Então por que todo mundo fica me dizendo que eu não posso ser como eles? Foi nessa época que a minha visão de pais heróis foi destruída, para dar lugar à incessante busca do eu (humano) mais que perfeito.
Assim nasceu a geração da "Ansiedade - O Mal do Século" e eu faço parte dela.

Na minha fase adulta todas aquelas sensações só se intensificaram cada vez mais. As pessoas me elogiavam por eu estar sempre ligada em tudo, menos em mim mesma. Eu tinha todas as respostas e as que eu não tinha, eu era sempre a primeira a conseguir. Na minha vida profissional isso me ajudou tanto! Ah, como eu era bem vista por colocar a vida profissional acima de tudo! O restante é que era meio bagunçado. Ninguém entendia por que eu era sempre tão impulsiva, nunca estava contente. E se aquela lágrima escorria eu ouvia: "Nossa, eu pensei que você fosse mais forte! Eu sempre te vi como uma fortaleza!" Nem eu entendia na verdade. Eu não sabia quem eu era. Eu nem sabia que eu poderia um dia vir a saber quem eu era. Que, na verdade, eu não era a função que eu estava exercendo no momento. Que SER, na verdade era algo bem mais pessoal e íntimo. Como um robô eu produzia, produzia e produzia, sempre mais, sempre melhor, sempre primeiro. "Eu sei que você é capaz de lidar com isso", eles disseram.
Com o tempo, gradativamente, aquelas sensações psicológicas começaram a aparecer fisicamente. As taquicardias, o suor frio, um pequeno pânico, aquele grito com o colega de trabalho (mas só uma vezinha né... oras que mal tem? Quem nunca?), quase passar por cima do motociclista com o carro porque você "não o viu". De onde ele veio, afinal??
Sem que eu percebesse tudo isso começou a tomar conta do meu cotidiano. Eu nem percebia o que acontecia. Como eu poderia saber que nada disso era normal? E era bem desconfortável na verdade... "mas eu sou tão jovem!" "Não tem nada de errado comigo!" "Eu sempre fiz tudo certo, não é mesmo?" "Deixe de ser um bebê chorão! Isso não é nada! Vai passar." eu dizia para mim mesma frequentemente.
E você leva essa vida. Vai passar, afinal. Você precisa produzir, não tem tempo para essas besteiras adolescentes. E se o seu chefe encontrar um substituto? Até o dia que você sai do trabalho e não lembra como chegou em casa. "Nossa, que estranho né? Mas eu estou bem, deve ser o cansaço, o stress! Eu fui no automático".
Você vai levando. Até o dia em que você está andando na rua e acorda com a buzina de um caminhão gigantesco freando bruscamente na sua frente. O motorista te xingando e você nem sabe onde está. Você só sabe que tem que sair rápido dali mas os seus pés não estão respondendo. "Por que o mundo está em câmera lenta?" Você não sente as pernas e o ar te falta.
Sim, isso aconteceu comigo.
Eu nunca contei pra ninguém o que aconteceu naquele dia. Até porque eu nem sei direito. Eu lembro da buzina alta. Do som dos pneus cantando. Do caminhão. Do motorista enfurecido. Mais nada.
E essa foi a primeira vez em que eu lembro de ter pensado que, não, isso não é normal.
Eu decidi que talvez fosse melhor ir ao médico. Mas que médico? Eu nem sabia o que dizer pra ele, na verdade. Eu fui então em um clínico geral que eu já conhecia, sentei lá e falei. Falei tudo. Desde a taquicardia, o suor frio, o pensamento acelerado, alteração de humor, pensamentos ruins, até o pequeno incidente que quase resultou no meu corpo sem vida estendido no meio do asfalto. Ele me pediu alguns exames de sangue. "Exame de sangue mostra essas coisas?" Saí de lá com uma receita de antidepressivo/ansiolítico e uma orientação pra tentar não me estressar.
Então eu iniciei o tratamento com a medicação. O resultado apareceu logo. Cerca de semanas e eu já me sentia outra pessoa. "Essa era eu de verdade?" Não sei. Eu só sei que eu estava tão calma, mas tão calma... Meio letárgica até. Algumas noites eu ainda não dormia, mas nada é perfeito nessa vida não é mesmo? Normal, eu pensava.
Nesse meio tempo eu conheci o Sensei Marcio Maestri e comecei a treinar Aikido no Minami No Tani Dojo. Os meses se passaram e a minha paixão pela arte marcial crescia cada vez mais. Eu já tinha feito o meu exame para o 5º Kyu e muitas vezes me sentia frustrada por estar dependendo de uma droga para ter tudo no lugar. Por que eu não podia ficar bem sem ela? Em alguns momentos depois de ter começado nos treinos de Aikido eu até tentei, por conta própria, parar o tratamento com o fármaco, mas o efeito no meu corpo era tão forte que eu voltava correndo. Era frustrante.
Como eu já estava aprendendo a olhar mais para mim mesma, me reconhecer e me avaliar, eu sabia que aquela não era eu. Eu tinha que ter mais energia que aquilo. E as minha ideias, foram parar onde? Onde estava a minha paixão pela vida? Aquela alegria que eu sabia que existia aqui dentro e que eu tinha recordação de sempre contagiar a todos na infância? Eu sabia que precisava resgatar isso de alguma maneira.
Há 4 meses eu estava chegando ao final de mais uma cartela de pílulas antidepressivas e precisaria fazer uma consulta com o meu médico a fim de conseguir mais uma receita da droga. O meu nível de ansiedade aumentava só de pensar que meu remédio poderia acabar antes que eu conseguisse uma hora na agenda dele.
Eu ainda tinha 5 comprimidos quando liguei no consultório do meu médico para agendar o meu retorno e foi então que o meu pesadelo se tornou realidade. Ele havia saído de férias, voltaria apenas no mês seguinte. Ninguém ali poderia me fornecer a tal receita mágica... No meio do meu desespero eu tentei ver na situação a minha chance de sair do consumo daquele medicamento. Na época eu estava de férias do trabalho e pensei então que se eu passasse muito mal com as tonturas e vômitos eu poderia ficar na cama. Conversei com a minha família a respeito. Eles demonstraram apoio mas acharam perigoso. Mesmo que para eles fosse clara a minha insatisfação em tomar o remédio. Com o Aikido para me dar suporte, e tinha certeza de que daria conta. Logo meu Sensei também soube da situação em um dia em que eu estava me sentindo particularmente ansiosa durante um treino e ele veio ter comigo. Falamos a respeito e ele me instigou mais ainda a parar, me ofereceu todo o suporte durante a transição.
No início eu intercalei os remédios dia sim, dia não. Mesmo assim rapidamente ele acabou.
Quase uma semana havia se passado desde que eu tomara minha última dose quando tivemos um festival de Aikido do nosso Instituto em uma cidade próxima da minha. O festival era aberto ao público para que a comunidade pudesse conhecer melhor o Aikido e a cultura Japonesa. O evento foi dividido nos dois dias daquele fina de semana. O primeiro sendo bem focado na cultura Japonesa e com diversos treinos e o segundo contando, também, com as avaliações para graduação de Kyu em que alguns dos meus colegas de tatame iriam participar.
Eu estava particularmente fragilizada nesse final de semana devido aos efeitos da abstinência. O meu nível de ansiedade estava nas alturas e eu tinha crises de choro e tremedeira. Eu estava ali pelos meus colegas, mas também por mim. Eu tinha certeza de que precisava daquilo e que me faria bem. Eu não queria passar aquela dor sozinha... acho que essa é a verdade mais pura. Eu queria estar junto dos meus amigos no meu momento mais difícil e libertador.
No Domingo à tarde ocorreriam os Exames de Faixa e eu já estava um trapo. Em cima do tatame tive a oportunidade de auxiliar alguns dos meus colegas em seus exames. Ao passo em que chegamos à última rodada de avaliados, duas bancas avaliadoras ficaram "ociosas". Neste momento um dos meus colegas mais chegados foi convidado a realizar o seu exame de surpresa. Todos desconfiávamos que isso poderia acontecer mas, nada era concreto. Ficamos muito felizes ao ouvirmos o nome dele ser chamado. O meu sorriso por ele ainda nem havia se desfeito no rosto quando ouvi o meu próprio nome ser anunciado. Espantada e perdida olhei ao redor para ver se era comigo mesmo que estavam falando... e era.
Eu estava sendo convidada a realizar o meu Exame de Faixa para 4º Kyu, completamente de surpresa.
Estupefata, já suando e meio tremendo me apresentei perante a banca avaliadora. Lembro de ter sentido aquela ponta de pânico tentando aparecer e pensei que aquele era o momento de colocar em prática todos aqueles exercícios de respiração e concentração que eu já havia treinado no Dojo e em tantas outras atividades fora do tatame. Fechei os olhos e respirei muito fundo. O suor escorria pela minha testa, percorrendo todo o meu rosto e pingando no tatame. Eu resolvi não me apegar à elas. Elas estavam ali, mostrando a todos o nível do meu nervosismo, mas eu decidi que elas não definiriam os meus movimentos durante a aplicação das técnicas. No momento em que meus olhos se abriram eu sabia que estava pronta.
Eu sabia as técnicas, os movimentos. Eu conhecia minhas Ukes. Então eu só precisava me concentrar em respirar e deixar que as coisas fluíssem. E foi o que eu fiz. Eu não corri nem me apressei. Eu respirei a cada movimento, eu sabia que minhas Ukes, por serem colegas próximas de tatame, sabiam como eu estava e pelo que eu vinha passando e elas, assim como eu, estariam nervosas. Eu precisava que elas relaxassem para que pudessem me ajudar. Então eu relaxei primeiro, transmiti a elas a minha energia e elas absorveram isso em instantes. A primeira rodada nem havia sido concluída e a harmonia já reinava nos nossos movimentos. Sou muito grata à elas por terem se doado àquele momento por mim.
Ao final do meu exame, durante o momento de deliberação da banca eu lembro de ter balançado. Balançado forte. Comecei a encontrar os erros que eu havia cometido durante o exame e que resultariam em um convite para que eu treinasse mais, o vulgo "reprovado". A minha auto sabotagem estava crescendo conforme os segundos passavam, mas não durou muito. As gotas de suor ainda rolavam pela minha testa abaixo em direção ao chão quando fui chamada para ouvir o meu resultado.
"Aline Suelen Laurindo, avaliação de Faixa Amarela para Faixa Roxa" disse a cabeça da banca. "Aprovada".
Nesse momento foi como se o meu coração parasse de bater.
Me curvei em reverência e imediatamente as lágrimas verteram. Chorando, procurei com os olhos pelo meu Sensei. O reverenciei em profundo agradecimento por aquele momento. Minha esposa também estava presente. A reverenciei em agradecimento por todo o apoio. Após prestar reverência a todos os presentes, me levantei, corri em direção ao meu Sensei e o abracei forte. Eu estava muito emocionada e tenho a impressão de que ele meio que "suou pelos olhos" naquela hora. Mas acho que foi só uma impressão minha.
Eu me dispus a relatar esse acontecimento pois foi um marco importantíssimo na conquista da minha liberdade. A minha transição de "pessoa ansiosa em tratamento com uma dependência química" para "pessoa livre que lida com a ansiedade" chegara ao fim. À partir daquele momento eu sabia que era capaz de tudo.
Os dias que se seguiram foram um misto de emoções e aprendizado. Eu sabia que conseguiria vencer as noites sem dormir, eu só precisava aprender como fazer isso. Falei para mim mesma que eu só precisava ter um pouco de paciência. Se eu consegui realizar um Exame de Faixa em um dos piores dias da minha existência e sair viva com dois elogios da banca e apenas uma anotação de lição de casa, eu conseguiria encontrar aquela mesma tranquilidade para dormir, com absoluta certeza. Assim como eu também conseguiria resolver todos as outras situações da vida. Sem estresse. Sem pânico. Sem ansiedade.
Então, jamais desista de você.

Você é capaz, acredite!

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