Meu Caminho Aikidoka

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terça-feira, 8 de maio de 2018

Meu Caminho Aikidoka - O 3º Kyu


A evolução e o desenvolvimento são coisas engraçadas né? Tão impalpáveis e difíceis de distinguir. A gente sempre pensa estar igual, no mesmo patamar, sem grandes mudanças. O cotidiano é sempre o mesmo, um dia depois do outro. Dificilmente conseguimos identificar as mudanças em nossa personalidade, em nosso modo de ver a vida à nossa volta.
Desde a minha última avaliação, em Outubro de 2017, seis meses se passaram. Olhando para trás hoje, é como se o tempo tivesse voado. Parece ter sido ontem que eu me encontrava tremendo em frente à banca avaliadora para o meu exame de 4º Kyu, totalmente de surpresa, em um dos piores momentos (emocionalmente falando) que eu já vivi.
Os últimos seis meses passaram tão rápido que nem tive a consciência disso até sentar para fazer a minha dissertação sobre a minha trajetória desde a última avaliação até a nova graduação. Foi tão rápido e ao mesmo tempo trouxe tanto aprendizado que nem sei como descrever.
Diferente do passado, desta vez recebi o convite do meu Sensei com bastante antecedência. Desde o início do ano sabíamos da programação do Festival que organizaríamos na nossa cidade em Abril e, assim como no ano anterior, as avaliações seriam realizadas neste evento, o que, no meu entendimento, é ainda pior do que ser surpreendido com um convite de última hora, onde você não tem tempo de pensar, analisar, corrigir, encafifar, perder noites de sono... enfim, não tem tempo de a ansiedade tomar conta de você. A surpresa te permite apresentar o seu Aikido da forma mais crua diante da banca. Sem que você tenha pensado demasiadamente sobre a técnica e sobre cada mínimo movimento. Você simplesmente vai lá e faz, repete tudo o que você já vinha fazendo todos os dias no Dojo, como em um treino normal, só que com pessoas te apreciando em cada movimento. Fica simples colocado desta forma né? E é. É simplesmente isso. Um treino com plateia, como já disse um colega de tatame. Por outro lado, a surpresa não te permite lidar com outras características que te acompanham na vida cotidiana, como a ansiedade, no meu caso. Ter tempo para pensar sobre as situações e para se preparar para elas gera ansiedade.
Conforme a data se aproximava, foi se tornando perceptível a tensão dos colegas, e a minha também, o anseio por estar preparado, a vontade de fazer um bom exame. Quem já me conhece sabe que lidar com a ansiedade é um desafio diário para mim. As semanas que antecedem o exame são bem atípicas no Dojo. É uma época em que dificilmente terão poucas pessoas no treino. Quando se está tão presente no Dojo, consegue-se perceber isso com facilidade e, de certa forma, isso nos permite perceber os colegas com maior facilidade. É um momento de tensão para todos.
Olhando para trás, eu me questiono: o que realmente mudou neste tempo? Quais as coisas que eu pude perceber em mim e quais as minhas atitudes e pensamentos em relação à isso?
É difícil pensar sobre essas questões pois, como falei, as coisas vão acontecendo de forma tão natural e independente que se torna difícil distinguir o igual do diferente quando se trata do auto desenvolvimento.
Nesta minha reflexão lembrei de algo que Marcio Sensei sempre comenta durante os treinamentos no Dojo: o Shoshin (初心) - Mente de principiante. O shoshin é um dos cinco espíritos do Budo. É um estado de atenção que permanece sempre completamente consciente, atento e preparado para ver coisas pela primeira vez. A atitude de shoshin é essencial para continuar o aprendizado. O-Sensei uma vez disse, “Não espere que eu lhe ensine. Você deve roubar as técnicas sozinho”. O aluno deve ter um papel ativo em cada aula, observando com a mente shoshin, para conseguir roubar a lição de cada dia.
Sempre que Sensei comenta sobre isso eu me ponho a refletir sobre o que realmente significa. Significa estar com a mente aberta aos ensinamentos? Significa prestar atenção, estar sempre atento? O que exatamente é estar com a mente de iniciante quando você já absorveu tanta informação e já sabe sobre algumas coisas? E todas as vezes que Sensei falou a respeito nos treinamentos, eu me via de novo e de novo dentro dessa filosofação (palavra que eu inventei agora) sem fim, querendo arduamente uma maior explicação sobre o real significado deste termo. No começo pensei que tinha tudo a ver com humildade e empatia. O que na verdade tem muito a ver, mas que ainda deixam algumas lacunas aqui. Você pode não ser um principiante em algo e ainda assim ser humilde. Não jogar o seu conhecimento na cara do parceiro para engrandecer o seu ego, por exemplo, é uma demonstração de humildade. Me mantive nesse dilema até que um acontecimento em um dos treinos girou a chave dentro de mim e eu abri a porta que me trouxe um leve vislumbre do que talvez signifique o shoshin.
Aconteceu em um treino onde Sensei havia me incumbido de auxiliar uma iniciante. Ela estava na sua segunda ou terceira aula e nós estávamos treinando os princípios básicos de Irimi Nage. Eu estava no 4º Kyu, já havia passado por dois exames de graduação e treinado esta mesma técnica inúmeras vezes. Eu sabia a técnica. Foi então que, no momento em que iniciamos o treino, eu estava para aplicar a técnica na minha colega pela primeira vez, quando ela simplesmente saiu para o outro lado. A princípio pensei que, por medo de assustá-la, eu tivesse entrado muito leve na aplicação. Na segunda tentativa, com mais intensidade, ela escapou de novo, igualzinho da primeira vez. Sensei estava observando bem ao nosso lado, e me solicitou que tentasse novamente. O fiz e, mais uma vez, fracassei. Para me defender (e só hoje percebo que foi um puro e simples argumento de defesa) eu disse: "- Ela não vai comigo!" ao passo que Sensei respondeu: "- Você deve mostrar a ela o caminho, você tem a responsabilidade de levá-la.", então, prontamente Sensei demonstrou a técnica na minha colega, e ela foi, como uma pena ela o acompanhou. Nesta ocasião percebi que talvez estivesse fazendo as perguntas erradas ao tentar entender o shoshin. Talvez as perguntas fossem: será que você realmente já sabe algumas coisas? Será que as coisas que você acha que sabe, você sabe de verdade, ou só tem a percepção de saber? Será que esse seu saber não é apenas um reflexo do seu ponto de vista e nada tenha a ver com a amplitude deste movimento?
Eu sempre gostei de treinar com os iniciantes, justamente por eles nos desafiarem com suas dúvidas e formas de enxergar os movimentos que são únicos de cada um. "Eles não tem vícios" me disse Marcio Sensei um certo dia. Já me deparei com situações em que eu nunca havia parado para pensar, pois no meu entendimento era tão óbvio, que eu jamais imaginei que alguém pudesse ter alguma dúvida ou pensar diferente. Desde este dia tenho me esforçado mais nos treinos com os iniciantes. Tenho tomado cada treino como uma oportunidade de ver a mesma técnica, o mesmo movimento de uma forma completamente nova, sem vícios e sem uma ideia pré estabelecida, tentando entender qual a percepção do colega em relação ao movimento e me abrindo para novas percepções e novas realidades. Isso tem me ajudado a compreender o quanto a técnica tem vida própria. Ela não é apenas um aglomerado de passos e movimentos engessados, como numa aula de dança ou numa fórmula matemática. Ela é viva e muda a cada parceiro e a cada dia. O Irimi Nage de agora jamais será igual ao de um minuto atrás. Ele é único do seu jeito e não vai se repetir. Apenas a sua essência permanece, a energia de cada um dos parceiros e o estado emocional, porém, são o que tornam cada um dos movimentos tão singulares e complexos.
Depois deste choque de realidade ao qual fui exposta tenho percebido a cada dia o quanto é difícil manter o espírito do shoshin. Ele nos obriga a aniquilar o nosso próprio ego. Nos incita a reconhecer que nada sabemos e que quanto mais estudamos cada movimento, mais teremos para descobrir a respeito de cada um deles. E isso é desafiador. Amedrontador. Eu percebi que precisava trabalhar meu ego e minha presunção em pensar que, diferente dos iniciantes, eu já soubesse algo quando, na verdade, nada sei a respeito da essência da grande maioria dos movimentos (senão todos). Eu estava me colocando em uma posição bastante perigosa ao não refletir sobre isso. Marcio Sensei sempre me deu muita oportunidade. Me permitindo receber os alunos novos e acompanhá-los nos primeiros treinos, auxiliá-los no seu início da caminhada. Isso, entretanto, nada tem a ver com eu saber ou não alguma coisa. Tem muito mais a ver com fazer o parceiro se sentir parte do grupo desde o seu primeiro contato. Dar-lhe segurança, fazer com que ele veja que é bem vindo e que tudo será no seu tempo e no seu ritmo. Tem a ver com o meu comprometimento com a prática e com o exemplo que eu posso dar de que todos podem conseguir se tentarem com engajamento e determinação. Minha atitude em relação a esse contato mudou. Percebi que na caminhada é preciso liberdade. Que a maioria das coisas não são entendidas quando explicadas, mas quando vividas. Minha percepção em relação ao meu treinamento mudou ainda mais. Procuro fechar mais a boca e abrir mais os olhos e a mente.
E tudo isso me trouxe ao momento do último exame de uma forma bastante consciente e me ajudou a passar pelo nervosismo de uma maneira mais lúcida e tranquila.
O Festival aconteceu nos dias 21 e 22 de Abril de 2018, onde no sábado tivemos um dia bem intenso com treinos ministrados por vários instrutores do nosso Instituto e foram bem diferentes e muito proveitosos. No domingo haveriam os exames de graduação de faixa de todo o pessoal que já havia cumprido com os pré-requisitos, incluindo vários dos meus colegas de tatame e eu mesma.
Como o 3º Kyu é uma graduação de baixa a intermediária, eu sabia que teria de esperar a minha vez por um tempo de qualquer forma, os exames iniciando da menor para a maior graduação ou vice versa. Então procurei me manter ocupada. Ajudei o máximo de colegas possível em suas graduações como Uke e também com aquele pensamento positivo. Mandando boas vibrações para todos os que estavam passando pelas suas provações, cada um do seu jeito e dentro da sua realidade. Manter o pensamento positivo pelos que estavam fazendo o exame antes de mim me ajudou muito a lidar com o meu próprio nervosismo.
Além de tudo isso, eu consigo perceber o quanto eu estava alegre naquele dia. Era um sentimento de felicidade, como se nada pudesse me apagar naquele momento. Eu senti ansiedade, sim. Pensei nas técnicas, lembro de ter me sentido nervosa em relação à minha execução em algumas técnicas que tenho maior dificuldade, mas a sensação que reinava era o anseio de viver aquele momento. Era uma coisa boa. Sabe aquele friozinho na barriga que você tem quando vai fazer uma coisa que você gosta muito? Como no dia em que você vai sair para um happy hour delicioso depois do trabalho com pessoas super queridas por você e você sente aquela vontade de que a hora chegue logo? Era esse sentimento que eu tinha. De que eu queria muito viver aquele momento intenso e importante pra mim. Também, foi a primeira vez que eu tive a honra de contar com a presença da minha família assistindo ao meu exame. A maioria deles nunca nem tinha me visto treinar. Então a emoção estava grande.
Foram organizadas 5 bancas avaliadoras e os exames foram acontecendo. Conforme eles iam passando lembro de estar cada vez mais consciente das minhas emoções. Logo fui anunciada para a minha avaliação. Exatamente na banca que eu tanto estava torcendo para ser chamada, a do Jonathan Sensei, de Joinville. Pelo respeito e admiração que tenho por ele, sabia que ele seria criterioso e justo na minha prova e eu não poderia querer nada mais do que isso para a minha evolução.
Pela primeira vez tive o auxílio de duas Ukes com quem havia tido bem pouco contato em treinos, por serem de outro Dojo e, mais uma vez, pude colocar o espírito do shoshin em prática. Sendo elas alunas de outro Sensei e também pessoas com quem eu tinha treinado tão pouco, o nosso entendimento das técnicas e dos movimentos com certeza seriam ainda mais divergentes. Era um desafio a ser superado. Acontece que foi ótimo! Ambas me deixaram super a vontade, não deixando de lado o vigor e a vontade. Me senti realmente desafiada por elas e me sentia ótima por tê-las comigo naquele momento importante (Rose e Alexandra, se vocês lerem isso, saibam que sou muito grata por toda a energia despendida!). Eu tive várias anotações de lição de casa, bem diferente do meu último exame, em que tive apenas uma. Tecnicamente tenho muito a aprender e aprimorar, entretanto, este foi, de longe, o meu melhor exame até o momento! Não pela técnica, não pela faixa, por mim. Pela maneira como eu estava me sentindo. Eu dormi super bem na noite anterior! Estava descansada. Ansiosa sim, mas com uma enorme tranquilidade interna, o que me deu o maior sentimento de vitória. A vitória de estar lúcida em uma situação de estresse. De estar bem comigo mesma e conseguir ver como o Universo pode ser maravilhoso quando decidimos olhar para ele e senti-lo. A vitória sobre a minha ansiedade. Mais uma vez.

Mantenha a mente de principiante, sempre!

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