Meu Caminho Aikidoka

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sexta-feira, 27 de março de 2020

Meu Caminho Aikidoka - E a Pandemia


Tem sido diferente esses dias.
Em dezembro de 2019, mais precisamente no dia 31 de dezembro, sim, ano novo, a China anunciou o surgimento de um novo vírus que estava  se espalhando rapidamente. Em Fevereiro de 2020 já havia sido considerada uma pandemia.
Ao longo dos meus 31 anos, nunca havia visto algo parecido. Nasci em uma época privilegiada. Não vivi as guerras nem a ditadura. Era muito nova quando as bolsas quebraram e outros golpes do governo foram aplicados, fazendo milhares de pessoas sofrerem. Eram coisas que eu só lia nos livros de história e, sinceramente, eu nunca entendi muito mesmo.
Vivenciar esta experiência tem me trazido muitas reflexões acerca dos sentimentos e necessidades  do ser humano. Há uma semana iniciei meu isolamento, determinado pelo governo do meu estado. No lugar que eu trabalho muitos foram dispensados do deslocamento até a empresa, podendo fazer o trabalho remotamente de casa, enquanto a outros foram concedidas férias. Mesmo com esta facilidade, toda uma nova rotina está sendo criada. Desde criar um espaço dentro de casa onde se possa trabalhar com conforto, até gerenciar a autodisciplina para não acabar se perdendo nos afazeres domésticos, deixando o trabalho de lado. Tem sido um desafio.
Além disso, lidar com o fato de ficar sozinha, dependendo apenas de mim mesma, sem poder trocar ideias e energias com outros seres humanos tem sido particularmente difícil para mim. É até estranho pensar sobre isso pois, sempre me considerei meio antissocial. Me ver nesta posição é algo novo e bem desconfortável.
Os treinos de Aikido, assim como todas as demais atividades e comércios ditos 'não essenciais' precisaram ser paralisados. Nos proibiram até de reuniões particulares com os amigos. Neste ponto eu me pergunto até onde a saúde mental não é indispensável para a sobrevivência humana. Porque ela não é uma prioridade? Obviamente vejo e entendo todas as razões para o isolamento social. Estamos lidando com uma doença séria e que dever ser tratada com seriedade e responsabilidade. Nesta questão existe ainda um outro ponto que deve ser mencionado. Todos estamos vivendo o mesmo momento no planeta, o pânico está instaurado em nossa sociedade, pobre de discernimento, as fake news tomam conta dos nossos cérebros nos levando a um ciclo vicioso de medo e incerteza. Quando todos estão falando sobre o mesmo assunto, disseminando informações a todo momento, enchendo as nossas cabeças com notícias absurdas e tristes fica difícil manter a própria sanidade e sair desta linha de pensamento sem o apoio emocional que o contato humano nos proporciona se torna uma missão quase que impossível. Confesso que não sou o tipo de pessoa que acompanha os noticiários, não assino páginas de notícias nem procuro me informar sobre as ditas 'realidades' do mundo nem em um âmbito regional, pois fico impressionada facilmente e considero a minha saúde mental algo particularmente importante. O que vemos nos jornais e noticiários são, em sua massiva maioria, tragédias, violências e tristezas, porém, desta vez, fui levada a buscar informações concretas, estudar e ler a fim de fugir das notícias falsas e desconexas. Desenvolvi mais meu pensamento crítico, conheci cientistas que me explicaram sobre como os dados e estudos científicos funcionam. Fiquei triste e revoltada quando vi meus familiares e amigos sofrerem em pânico por informações falsas e dados incompletos disseminados pela mídia e por pessoas irresponsáveis, passando para frente coisas que sequer eram verdadeiras, como se toda a situação já não fosse, por si só,  triste demais, pesada demais, difícil demais. Me tornei a chata da pesquisa nos grupos da família e dos amigos. Tentei explicar sobre a responsabilidade individual de disseminação de informações. Percebi o quão importante é a pesquisa, o conhecimento e o discernimento. Vi o quanto, mesmo na era digital, onde uma enorme parcela da nossa sociedade tem acesso à informação, as pessoas carecem de pensamento crítico. Como já não somos mais ensinados a pensar, é tão mais fácil só acreditar em uma 'notícia' falsa que aquele famoso que sou fã está dizendo do que correr atrás das fontes e analisar os fatos. 
É complexo pensar que esta mesma era digital, que frequentemente tem nos levado a desinformação e ao desespero, é parte do mesmo sistema que nos conecta ao restante do mundo como seres humanos sociais neste momento de dificuldade. Dosar o quanto de cada um destes aspectos está nos fazendo bem ou mal neste período de isolamento é tão complicado quanto a própria situação.

Há alguns dias conversei com um amigo muito próximo, através de uma rede social, a respeito desta questão do isolamento. Comentei com ele como tenho me sentido com tudo isso e expliquei os meus pontos de vista sobre a relação do ser humano com os meios de comunicação atuais. Não é como se estivéssemos proibidos de falar uns com os outros. A comunicação em si continua acontecendo normalmente. Inclusive, meu contato com este amigo é muito mais próximo através dos meios de comunicação virtual do que pessoalmente. Apesar de nos vermos praticamente todos os dias antes do isolamento, são nas conversas on-line que discursamos acerca da intensa gama de pensamentos, teorias, experimentos e opiniões dos assuntos que mais nos fascinam na vida. Fomos levados à isso pelo fato da nossa família não suportar mais nos escutar discursando por horas sem fim sobre estes assuntos que, segundo eles, apenas nós dois entendemos e nos interessamos. Então, pessoalmente falamos muito mais sobre outras coisas, junto com nossas famílias. De fato, sinto que seríamos capazes de virar dias inteiros falando sem parar, caso nossos familiares não se opusessem (hahahaha). Mas o ponto que quero chegar é, se o ser humano é um ser social e a era digital nos permite permanecer sociais mesmo que de dentro das nossas próprias casas então, de onde vem esta dificuldade que estou sentindo em passar por este período de isolamento? Ao conversar com meu amigo sobre isso ele teve a espetacular ideia de fazer uma chamada de vídeo em grupo com os nossos amigos mais próximos para jogarmos conversa fora. A ideia é sensacional de fato, mas mesmo assim eu parecia relutante e incrédula de que isso fosse funcionar. Insatisfeita com o resultado que poderia trazer. Ao me questionar por um momento sobre esse meu posicionamento cheguei a um pensamento que acredito ser a explicação sobre o 'ser social' do ser humano. Veja que, quando fora do isolamento social, as pessoas são cheias de afazeres, obrigações, compromissos. Isso, mesmo que de forma subjetiva e inconsciente, lhes coloca em contato com outras pessoas que, por suas vezes também estão envoltas em seus afazeres, obrigações e compromissos, tendo contato com outras pessoas e assim sucessivamente. Se pensarmos em um resumo grosseiro, esta é a nossa sociedade. Um monte de gente cheio de afazeres, obrigações e compromissos. Acreditamos que esse agito é o que nos configura os seres sociáveis que tanto tenho falado. Mas vamos nos aprofundar um pouquinho nesta ótica. É certo que neste momento a maioria, senão todos, os compromissos foram adiados, mas grande parte dos afazeres e obrigações continua. Se nos esforçarmos, facilmente preenchemos o nosso 'tempo vago' com outras diversas atividades. Sabe aquelas que sempre quisemos fazer e não tínhamos 'tempo'? Fora da nossa zona de conforto? Com certeza. Mas ocuparíamos sim, uma grande quantidade de horas do nosso dia. Conversaríamos com nossos amigos normalmente afinal, as redes sociais estão aí para esta proximidade, não é? Qual portanto o ponto desta aflição generalizada?
Com esta reflexão em mente e, sabendo que o social nos é essencial como seres humanos, trago o seguinte questionamento: Será possível, aleatoriamente como em uma roleta russa, escolher um contato qualquer no seu celular, realizar uma chamada de vídeo e ter uma descontraída conversa acerca de uma futilidade trivial sendo isso prazeroso? Digo que fiz o teste da aleatoriedade no meu próprio celular e, apenas após a vigésima quinta tentativa me surgiu um nome ao qual eu estaria confortável em realizar a ligação. Isso significa que não gosto dos outros mais de vinte e cinco contatos que me surgiram anteriormente? Muito pelo contrário. Temos afinidades, fazemos atividades juntos, muitos deles são ou foram meus colegas de Aikido e sinto que temos algo importante em comum, mesmo assim, seria apenas bem esquisito simplesmente pegar o telefone e fazer uma simples ligação sem um objetivo bem claro e específico e achar isso confortável e prazeroso.
O que me faz pensar em uma outra perspectiva deste mesmo experimento. Vamos rodar a roleta russa dos contatos do celular novamente. Quantas tentativas até que você aceitasse ir a um lugar que você gosta (supondo que você, leitor, é um praticante de Aikido assim como eu - visto que é o foco principal das minhas postagens - imagine que este lugar seja um seminário de Aikido) sabendo que a única pessoa que você conhece neste lugar é esse contato sorteado. Vou dizer que, para mim as tentativas se reduziram a duas.
Portanto, o auge da minha nada científica reflexão, me leva a crer que, no fim disso tudo, é o contato físico que nos torna os tais seres sociais. A troca de energias, o olhar nos olhos, ver as micro-expressões nos rostos das pessoas, sentir a entonação, a vibração do som quando elas falam, a energia dos sorrisos ao redor, os sons das crianças correndo livremente atormentando seus pais e tudo o que vem junto com essa mistura de sensações, o choro e o riso.
Eu percebi, com a conversa com o meu amigo e com os experimentos que fiz sozinha comigo mesma, que o sentimento de socializar é diferente numa chamada de vídeo em grupo com os amigos simplesmente porque não é presencial. Na rede social é como se estivéssemos em uma reunião, com pauta de discussão e tudo. Sabe quando você está com os seus amigos em algum rolê e, de repente, todos ficam quietos, mas continua sendo um ótimo rolê só por vocês estarem juntos? Não é bem assim na chamada de vídeo com seus amigos durante o isolamento, pode até acontecer mas é estranho e desconfortável. E não porque o silêncio é ruim. As vezes é exatamente disso que precisamos, silêncio na presença dos amigos. Só estamos ali, um ao lado do outro, ninguém diz nada e o momento está completo por si só. O que quero dizer é, a pressão por manter um assunto rolando já não torna as coisas naturais e pode gerar ansiedade, muitas vezes a troca de energia com outras pessoas é tudo o que precisamos. Não há rede social no mundo capaz de nos proporcionar isso hoje. Talvez algum dia haja, hoje não. Hoje devemos valorizar cada momento ao lado dos nossos amigos, família, colegas, cada oportunidade de sair de casa para trabalhar, estudar, treinar, passear. É tudo o que temos. Essa troca de energias é tudo o que temos. Por mais que os donos das redes sociais tentem nos convencer de que podem nos proporcionar mais contato, mais amigos, mais prazeres, mais liberdade e nos levar a mais lugares, eles jamais vão suprir a nossa necessidade básica de troca de energias como seres humanos.

Tenho visto ao redor do planeta diversos grupos de Aikido e de diversas outras áreas e artes marciais criando vídeos, lives, ensinando formas de treino e outras atividades em casa, abrindo espaços de conversa e discussão sobre os mais variados temas, para nos tirar um pouco da paranoia da doença. É ruim falar sobre o assunto? Jamais. É saudável e necessário. Mas a nossa vida e a nossa saúde não giram em torno disto. É preciso discernimento e, por isso vejo com tanta positividade tudo o que está sendo feito por estas pessoas incríveis que não medem esforços para levar conhecimento, distração, apoio e criar conteúdo de qualidade neste momento tão difícil. Isso, na minha concepção, é Aikido. É perceber seu meio e trabalhar em prol do bem. Estabelecendo harmonia em meio ao caos, esperança em meio ao desespero, luz em meio à escuridão.
É fácil expor uma opinião baseada na sua própria realidade nos grupos de WhatsApp, como se ela fosse a única realidade. Esbravejar palavras ao vento e culpar este ou aquele movimento por tudo. É fácil disseminar o caos, as fake news, o desespero. O que você faz, apesar de tudo isso, para estabelecer um pouco de paz de espírito, de alegria, de equilíbrio no seu meio, na sua casa e na sua comunidade é Aikido. É isso que o Aikido nos proporciona. Momentos de reflexão, de autoconhecimento e um treinamento intensivo que é de dentro para fora todos os dias. Para mim o Aikido nunca foi uma prática de cima do tatame. Sempre se tratou de uma prática interior e diária, incansável e constante. Vejo este momento como uma oportunidade de praticar ainda mais a minha paciência, a minha disciplina, observar meus pensamentos, discorrer minhas reflexões e levar à todos que posso um sentimento de esperança, de apoio e confiança. Vejo a mais exímia oportunidade de SER o Aikido.

E você, querido leitor, qual a sua opinião sobre as reflexões? Para você, o que é mais importante neste momento que estamos vivendo? O que você tem feito em prol do equilíbrio emocional coletivo?

Na certeza de que superaremos em breve este difícil momento, gostaria de encerrar com uma famosa citação do Fundador: "O segredo do Aikido não está no modo como você move os pés, está no modo como você move a sua mente."

Como a sua mente tem se movido e para onde ela tem lhe levado? 

Um comentário:

  1. Como sempre uma excelente leitura.

    Acredito que esse momento é ideal para compartilharmos sentimentos e realmente sentir o que/quem nós faz falta, um momento único de introspecção.

    Estamos numa luta contra algo invisível, que pode ser tanto forte como fraco, o grupo grave é pequeno mas será que estaremos nele?

    Estamos vivendo um capítulo triste da história, mas como tudo na vida tem seus altos e baixos, com toda certeza sairemos dessa ainda mais fortes...

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